Saí de Curitiba e estou, de novo, na casa de meus pais.
Se o bom filho à casa retorna, o filho recém formado com suspeitos ares de desocupado retorna também – seja ele bom ou mau.
E isso é um problemão, pois fato é que ninguém vê com bons olhos essa espécie de férias por tempo indeterminado. Tanto isso é verdade, que segue o relato abaixo.
Pela segunda vez eu ia até a biblioteca; da primeira fiz o cadastro e peguei dois livros de contos. Então pela segunda vez cabia devolver os livros da primeira e pegar outros.
A bibliotecária foi toda simpatia durante a arguição para a ficha cadastral. Não obstante, me colocou em saia justa quando perguntou, lá pelas tantas, o que eu faço. Será que esperar pela formatura me autoriza a dizer que sou estudante? O migué cola ainda?
Autorizando ou não, colando ou não, consta na minha ficha da biblioteca municipal que ainda sou estudante.
A garota, a bibliotecária, até perguntou com interesse sobre o curso de Ciências Sociais e concluiu ser ele tão interessante quanto Filosofia e História. Como não cabia a mim destruir a boa impressão que ela construiu tão rapidamente, assenti em silêncio.
Aí, na segunda vez, já esperando certa simpatia da bibliotecária, fui educado pra burro: dei bom dia e sorri (o ápice da minha boa educação lacônica).
Nisso já havia escolhido outros dois livros de contos – sensacional aquela coleção Maravilhas do Conto Universal – e devolvi os outros.
Então a garota, como quem não quer nada, manda:
- E aí, pensando em um Mestrado?
- Pois é... Quem sabe? Mas é um tanto complicado.
- Verdade, bom se fosse tão fácil quanto parece, não é?
- Sim. Por ora fica como possibilidade. – eu disse sorrindo, como quem encerra o assunto.
- Mas você deve mesmo pensar nisso. – ela estava disposta a continuar. Você anda tão desocupado para quem acabou de se formar!
É certo que a garota andou conversando com meus pais. Só pode.
Na hora não assimilei o soco no meu moral. Quer dizer, eu devia ter perdido alguma coisa, algo que me faria entender de onde ela tirou tamanha intimidade para fazer um comentário desses. Sei lá, talvez uns cinco anos de amizade sumidos misteriosamente de minha memória.
Dei uma tossidinha e um sorriso encabulado. Não tinha mais o que fazer. Peguei os livros e fui embora.
Não entendo por que essa cisma com os desocupados. Aliás, o preconceito é insensato. Diz o dicionário:
Desocupado – s.m. 1. Aquele que não tem e não quer ter ocupação, trabalho. Ex: Enrola, finge, mas é um desocupado.
Poxa, ta certo que o desocupado não tem ocupação... mas dizer e não quer ter é sacanagem. No mínimo o dicionário também andou falando com meus pais.