Semana passada li novamente Promiscuidades, a luta secreta para ser mulher. Certa vez tinha lido parte dele em uma aula de Sociologia da Sexualidade. Nele, a autora, Naomi Wolf, explora a biografia das mulheres para denunciar o script sexual da época delas - 1960-70 - e que, infelizmente, ainda se faz sentir em nossa época.
Só o título já sugere uma boa reflexão sobre como encaramos a sexualidade feminina – para minha mãe sugeriu um susto gigante ao encontrar esse título dentre as coisas de seu suspeito filho caçula...
Eu particularmente lembrei daquela expressão típica dos homens quando falam de uma ou outra mulher: essa é pra casar!
O debate em todo o livro é sobre os porques, os comos, e os traumas que cercam a as mulheres, uma vez que se veem presas em uma cultura que diz que devem ser passivas, recatadas, comedidas, quase assexualizadas, mas, ao mesmo tempo em que ouvem isso, possuem desejos, libido, e um corpo perfeitamente apto ao prazer – mesmo que lhe digam o contrário.
Ou seja, lutam o tempo todo para se manter a salvo da promiscuidade instituída pela nossa cultura.
Mas é uma luta desigual. Afinal, o que lhe imputa o título de piranha, vaca, puta, e tudo isso que a gente sabe muito bem que existe enquanto epíteto, nada mais é do que a norma da sexualidade masculina. Em miúdos: se elas fazem o que eles fazem, são vistas como promíscuas.
Para além dessa desigualdade, há ainda o fator histórico. Quer dizer, nem sempre as coisas foram assim. Outras culturas valorizavam e muito o prazer feminino, dando como obrigatória a satisfação daquele. E ai do homem que não o fizesse.
Já em nossa cultura, conseguimos apontar nitidamente momentos em que foi sendo definido e conceituado, artificialmente, uma visão sobre a mulher – passiva, não-sexual, não-erótica -, principalmente em nossa modernidade, e não apenas momentos mas também os recursos culturais empregados para tanto – livros, teorias, cultura popular. E o mais perverso é que isso aliou-se à ciência e vendeu a imagem da mulher assexualizada como sendo natural e inata.
Mas é um discurso que não se sustenta nem sobre suas próprias bases. Afinal, naturalmente falando, em termos biológicos, a mulher possui um potencial de prazer muito maior do que possuem os homens. Então qual é o sexo carnal? Será mesmo o masculino?
A máxima que diz as mulheres são sentimentais, os homens são carnais, cai por terra quando orientamos nossa visão em sintonia com uma abordagem sociológica. O problema, porém, é que é uma visão muito bem fincada em nossa cultura.
A mulher ainda carrega todo o peso de sua suposta sentimentalidade, traduzida principalmente na maternidade. Ainda cre-se que mulher, só é mulher, quando tem um filho, sendo incompleta e infeliz se assim não o fizer.
Isso alia-se com a imagem da esposa feliz e caseira, passiva e educada, que está sempre esperando seu marido chegar do trabalho.
São imagens um tanto exageradas talvez, essas da mulher mãe e mulher esposa, para falar dos tempos atuais. Contudo, não são invocadas a toa. Principalmente se entendemos que a mulher mãe e mulher esposa constituem a face de uma moeda que tem, do outro lado, a imagem da mulher prazer, essa mulher que, tal qual os homens, coleciona paixões, casos e sexos.
Essa mulher tão sexualizada ainda não é bem vista, e toda rua, bairro ou escola tem a sua garota fácil, aquela que os caras todos querem farrear ali, mas que nunca vão dizer para ela o que dirão para uma genuína e tradicional mulher esposa e mulher mãe: essa é pra casar.
Afinal, com suspeitos ares de séculos passados, ainda crê-se que mulher de verdade é um poço de virtudes sentimentais em nada sexualizado.