São os seus problemas e eles incomodam. Incomodam já ao acordar - e também nas madrugadas adentro. Às vezes você sente que quer chorar, e chora; às vezes tem vontade, mas não consegue. E é tão sufocante, sempre uma abafada tarde de janeiro sem chance de virar um outro dia. E os problemas ali, melados, te pondo em rancor, em contradição, em ritmo de quem passa se arrastando pelo tempo e se pergunta o que é que foi feito daquele mundo de quando se é criança.
Mas você não sabe dos seus problemas. Deles, nem a metade. Sabe que para os vizinhos eles são, no máximo, fofoca, e que para quem não te conhece eles simplesmente não existem? Mas se você sente-os arder tanto! E, de repente, ir conhecendo seus próprios problemas é uma cruzada contra seu próprio orgulho, o deparar-se com simplicidades irredutíveis.
Pessoas dormem, gozam, riem, conjugam tantos verbos nesse milésimo de segundo em que tu sofres - mas e tua dor? Elas também sofrem, mas são surdas para o teu sofrer - e para você é tudo tão ruidoso. No Japão, sob neons frenéticos, uma vida pulsa justamente durantes tuas madrugadas insones, tuas tão bem conhecidas madrugadas despertas. E você que nunca pensou que visto a alguns quilômetros acima daqui nosso planeta é de uma invejável calmaria azul e verde - e onde vê-se aí o que te oprime e faz pensar tanto em tantos fins? Você nunca encarou a possibilidade de um dia todas as luzes se apagarem e os ventos dos séculos transformarem nosso planeja em bola marrom árida, e que então os teus problemas não deixariam aqui um vestígio sequer - sumidos já antes, muito antes, de toda consciência.
Mesmo agora enquanto tuas faces vão úmidas, o passado já corrói tua dor e a dilui num universo silencioso. O sol queima cada passo até seu fim iminente, as estrelam emanam seus distantes brilhos, buracos negros velam infinitos mistérios, e longe, tão longe, um inimaginável olho pode até olhar para teus problemas, mas ele não vê nada além de um brilho no céu que não diz se é estrela, sol, planeta ou mera ilusão de óptica. E agora, sempre corroídos, abraçando mais e mais o passado, teus problemas - fundos, chorados, sem saída, tãos seus! - não ganham senão em efemeridade; isso são os teus problemas.
E se puderes respirar em pleno domínio, subtraindo o orgulho que sentes pela tua dor, tu sentirás um sopro. Encontra aí o fim dessa saudade tresloucada, fecha os olhos para os espelhos dessa ilusão, rasga o que sobrou daquilo tudo que você defendeu com unhas, dentes e bravatas vazias. Apenas sinta o sopro, permita-se tremer com o seu frio.
É a vida em sua inevitabilidade; ela está levando embora aquela abafada tarde de janeiro, e te convida para virar, finalmente, um outro dia. Um dia muito mais leve.