quarta-feira, 4 de março de 2015

Gladiadores do Altar, os Homens de Verdade

             Eles marcham, e bradam, e parecem um pequeno exército. E para a própria Igreja Universal do Reino de Deus há certo orgulho no fato de serem vistos como um exército. Não fosse assim, o nome Gladiadores do Altar seria descartado – assim como o brasão, um escudo cruzado por uma espada.

            Dentre tudo o que poderia ser dito sobre isso, vou ficar apenas com um fato óbvio: são "gladiadores", e não gladiadoras.

            São eles que marcham num misto de farsa e simulação do espetáculo militar.
            São eles que, nas palavras do pastor, estão “prontos para a batalha”.
            São eles que, nas palavras doutro pastor, devem “enfrentar os desafios”, “ganhar almas”, “fazer discípulos”.
            São eles que, em suas próprias palavras, enfrentam o inferno. 

            São, enfim, homens nesta pequena exibição de conquista e violência sobre o mundo – violência por enquanto simbólica, mas que flerta perigosamente com a violência concreta (qual o limite do tal 'fazer discípulos'?). 

            E cabe a pergunta: seria tudo isso sobre religião, ou talvez, e também, sobre ser homem? Seria tudo isso uma questão de conquistar fiéis, ou talvez, e também, de conquistar mais homens?
           
            A pergunta poderia parecer exagero, coisa desses sociólogos chatos que caçam pelo em casca de ovo, não fosse o pequeno detalhe na fala de um pastor. 

“O projeto Gladiadores do Altar visa formar homens de verdade, que não desistem."

            Assim, a pequena paranoia que estes Gladiadores do Altar encarnam vai além do religioso e bate nas portas da masculinidade. E talvez, na visão de um fiel da IURD (mas, sejamos justos, não de todos eles, e nem somente desta vertente religiosa), o mundo precise de mais fiéis, e de mais homens. E não quaisquer homens, e sim, como dizia o pastor, “homens de verdade”.
           
            (E se pesquisadores de áreas como sociologia e antropologia já se batem para definir o que é ser homem [supondo que seja possível tão definição], imagino a complicação do de verdade...)

            A paranoia em torno da masculinidade parece encontrar resposta no próprio teor militarista destes Gladiadores – novamente, vale reparar no nome, no emblema, e, claro, em todo aquele marchar sincronizado e bradar em uníssono. 
Sentido!

            Considerando que ainda hoje prevalece no imaginário popular que o rapaz vira homem no exército – o que justifica, para pais preocupados, o serviço militar obrigatório – ou que é na guerra e batalha que homens são forjados, temos um reforço para pensar se todo o militarismo dos Gladiadores não é, simplesmente, uma reafirmação masculinista. São os tais homens de verdade.

            Toda paranoia parece vir de um lugar de medo. É a insegurança, a desconfiança, a sensação de desconforto. E hoje em dia, quando para horror de certos grupos sociais as escolas estão tentando ensinar sobre homossexualidade (céus!, fechem tudo, queimem esses livros, mandem embora esses professores depravados!), há muitos medos alimentados paranoias masculinistas.

        Não à toa, são vários os produtos culturais que, ao masturbarem um sentimento de masculinidade tradicional (aquela lá, como dizem, de antes dessa viadagem toda de homem beijando homem em novela das oito), são abraçados com força e alívio por muitos homens – breve pausa para lembrar de quantos filmes têm um sujeito fodão que mata geral e fica com a mulher-prêmio da história.

            E quando esses pastores estão tão preocupados em revestir os Gladiadores do Altar como um jeito bem específico, mas tradicional, de ser homem – revelado pelas associação a palavras como disciplina, luta, batalha, responsabilidade, enfrentamento – é tentador pensar nisto como uma reação aos ventos das mudanças.

            Os Gladiadores do Altar parecem ser um modo conveniente de garantir, para a igreja e seus homens, que ali os homens são o que 'devem' ser, muito diferente do mundo pagão e bagunçado lá fora. E para isso os propósitos divinos vêm ao auxílio, pois sair e cumprir a missão que Jesus deixou, de pregar o evangelho a toda criatura, é conjugar aqueles poderosíssimos (e masculinizantes) verbos que dizia o pastor: enfrentar desafios, ganhar almas, fazerfiéis. Em suma, é conquistar o mundo, como todo homem 'deve' ser capaz de fazer. E assim, fazer fiéis é exercitar uma masculinidade, e talvez seja até a prova máxima de que tal masculinidade foi alcançada.
Marchando para a masculinidade

            E qual masculinidade?

            Por detrás do discurso de fé de onde vêm os Gladiadores do Altar, o potente discurso masculinista que o sustenta é bem sugestivo: trata-se de vender a imagem de homens que são fortes, que são viris, que são dominadores, e que são os capazes de sair e pregar pelo mundo, conquistando-o em nome de Jesus – tarefa digna, claro, somente para os homens, não para as mulheres, mesmo que, eventualmente, algumas delas pudessem querer estar lá marchando também ao invés de ficar somente aplaudindo. 

         A masculinidade em questão é a masculinidade do soldado, do guerreiro, que facilmente afastaria de si qualquer traço de feminilidade, o calcanhar de Aquiles de muitas masculinidades. E nem é preciso muita força de vontade para considerar que  dado o contexto destes Gladiadores do Altar, são todos homens heterossexuais - isto é, eles têm que ser homens heterossexuais!
             
            Porém, o teor tradicionalista desta masculinidade que é veiculada pelos Gladiadores do Altar (que, assustadoramente, lembra sim aquelas masculinidades nazistas e fascistas, também preocupadas em exaltar, através de um coletivo, a força e virilidade que o homem deveria ter), indica que a própria masculinidade tradicional está fragilizada.

            Se alguém precisa colocar como objetivo formar homens de verdade, é porque eles não estão sendo formados. 

             E isto é ruim?

         Do lado de cá da margem, alguns ficam felizes com isso. Assistem o naufragar deste barco grande, pesado, rígido e já secular que é a masculinidade tradicional, e anseiam pela infinidade de outros barcos que virão, mais ligeiros, sutis, talvez trazendo velas coloridas, talvez não tão coloridas assim, mas de todo modo com uma vela que é sua e não a vela que alguém mandou fixar lá e por força do hábito foi deixada intocada, sem nunca refletir sobre ela.
          Mas do lado de lá da margem há quem lamente e veja com pesar o inevitável naufrágio. E talvez seja justamente o desespero pelo inevitável que leve alguns desses a mobilizar certas representações antiquadas, ou mesmo certas relíquias fundamentalistas, e mesmo a gritar por ajuda – ou , melhor, gritar ‘Altar! Altar! Altar!”. 

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