Que substância misteriosa, traiçoeira e visguenta é essa coisa chamada virgindade. Tem o poder de contaminar aqueles que a possuem mesmo que o vitimado não entenda muito bem a ação dessa contaminação.
O que a pessoa entende, e é sempre avisada disso, é que a contaminação não é algo legal. Que estar sob o diagnóstico de virgindade não é algo que pode ser contado por aí e impunemente - no máximo pode ser confessado para alguém, e só no contexto de confiança e intimidade.
A pessoa, mais especificamente se do gênero masculino e de orientação heterossexual, sente que a virgindade é essa contaminação dada ainda na infância.
Percebe que com sorte (e às vezes com a ajuda de pai ou primos ou irmãos ou amigos[uma verdadeira força-tarefa]) ela será resolvida ainda na adolescência, se possível antes dos 15 anos.
E não raro ele, o homem, aceita que a cura está em uma relação objetificada com uma parceira também objetificada, seja ela, a relação, gratuita ou não.
Trata-se de um abrir de pernas empoderador para aquele que as vê se abrir. Empoderador pois descontaminador. Livra o pequeno homem da contaminação por virgindade, e assim está pronto para emergir enquanto o homem que nossa sociedade diz que ele tem que ser - agora sem nenhum qualificador negativo, se não, talvez, um ainda mais empoderador, que é o de verdade.
Afinal, perder a virgindade é se tornar algum sinônimo do homem de verdade (soem as trombetas!), como se isso compensasse todos os possíveis traumas e violências pelo caminho, sejam eles emocionais ou físicos, sejam eles infligidos a si ou a outrem.
Para desânimo geral (assim esperamos, né) esse encadeamento lógico de fatos e sensações, que é absurdo e tem aquele cheirinho de naftalina e mofo do tempo dos nossos avós, é, ainda hoje, perfeitamente operacional. E o episódio com David Luiz é só um dos vários modos como a reflexão se atualiza no século XXI - mesmo que o episódio pareça absolutamente banal.
Não, a contaminação pela virgindade não é problema resolvido, não é doença curada, e a vacinação se perde em um horizonte não promissor - e isso quase a despeito das feministas e seus esforços em desenvolver e propagar o coquetel de saberes profiláticos contra essa e tantas outras contaminações originárias de tempos passados.
Independente das razões pelas quais David Luiz decidiu esperar pelo casamento para ter relações sexuais, e deixando de lado a intrusão midiática em sua vida pessoal, o que é sintomático nessa história toda é a reação do jogador - que é, potencial e virtualmente, a reação do homem médio.
Num comentário que podemos ler desabafo, mas também prestação de contas digna de réu sob acusação, David Luiz garante ter tido outras namoradas, e garante não ser virgem.
Milionário, profissionalmente bem sucedido, quase trinta anos, e precisa afirmar, ou melhor, se defender, muito categoricamente, que não é virgem.
Misteriosa, traiçoeira, visguenta, incomodativa, a virgindade segue contaminando.
Em especial os homens, que têm como fator catalizador de contaminação um padrão de masculinidade que ainda estipula, dentre tantas outras coisas tortas, que o homem tem que ter um comportamento sexual predatório - mais e mais mulheres, e o quanto antes melhor.
A abstinência sexual, escolhida ou não, torna-se impensável e digna de atenção pública, e por isso mesmo em algo perturbadora naquele que a pratica.
Um quadro, pois, perfeito para a contaminação por virgindade, outra dessas doenças risíveis de tão absurdas.