Campo Mourão está às voltas com seu o Plano de Educação Municipal para o decênio 2015-2024. E problemas surgiram. Não com o plano todo, mas somente com aqueles trechos que falam da (tirem as crianças da sala!) diversidade sexual.
E é aí que as acusações contra o PEM de Campo Mourão são perturbadoras.
Frise-se:
acusações por tentar, tão somente, trazer para a escola o debate
necessário acerca dos gêneros.
Na minha
inabalável fé na virtude e boa vontade humanas, me recuso a
acreditar que alguém possa ser contra o PEM. Afinal, ele fala sobre
direitos, respeito e dignidade.
Quer
dizer então que há gente vindo a público, inclusive formadores de
opinião, para defender a NÃO extensão daqueles direitos a um
determinado grupo de pessoas? Quase que oficializando uma classe de
humanos que são menos merecedores de humanidade?
E me
recuso mais ainda a crer que alguém possa ver no PEM, de verdade, uma ideologia
agressiva pró-homossexualização de nossas crianças e adolescentes.
Prefiro pensar que todo o perrengue com o PEM é uma leve falha de interpretação.
E
formiguinha que tento ser, trago aqui, neste texto que explica alguns pontos do PEM, um grãozinho de
comida na expectativa de ajudar a fazer um inverno mais tolerável
nesse louco formigueiro que é o nosso.
- - -
Sintonizado
com a Conferência Nacional da Educação 2014, o Plano tem a proposta de defender ações afirmativas
garantidoras de direito, acesso e permanência na escola de grupos
que até hoje não desfrutam desse direito, acesso e permanência.
Já vejo
aí uma justa causa, mas que parece escapar a muita gente. Mas ok, sigamos.
Citando o texto da CONAE, o PEM traz que:
Isto requer o pleno reconhecimento do direito à diferença e o posicionamento radical na luta pela superação das desigualdades socioeconômicas, raciais, de gênero, condição sexual, regionais, de acesso à terra, moradia e oriunda da condição de deficiência, para o exercício dos direitos humanos.
Em
miúdos, trata-se de garantir que a diferença continue
existindo, mas que nenhuma diferença seja razão para desigualdade.
Diferença,
sim.
Desigualdade,
não.
Portanto, não há fundamento no medo de algumas pessoas e setores da sociedade sobre uma suposta abolição da diferença (que iria diluir homens e mulheres num mar de homossexualidade).
Seja mulher ou homem, seja heterossexual, homossexual ou
transgênero, ou seja lá o que seja, o Plano reconhecerá e respeitará a diferença, mas combatendo a potencial desigualdade. E só.
Ninguém vai tentar abolir nada - senão um ou dois preconceitos que certamente não farão falta.
Outra
causa justa, senão nobre, mas que escapa a muita gente... ok, sigamos.
O Plano explica o que já fez e o que seguirá fazendo no sentido de buscar
aquela inclusão escolar e o direito à diferença:
[...] trabalhos na área de inclusão social, de promoção da igualdade racial, de gênero e de orientação sexual.
E ainda:
Envio de material de apoio às escolas da Rede Estadual com as temáticas: Gênero e Diversidade Sexual, Combate à Homofobia, Educação das Relações da Diversidade Étnico Raciais, entre outras;
Para
muitas pessoas, aqui nesses dois trechos há o indicativo da grande
ideologia de gênero em andamento, da conspiração subversiva contra a família brasileira e seus bons costumes.
Pois,
aparentemente, promoção da igualdade de gênero e de orientação
sexual seria sinônimo de catequização homossexual, enquanto
que material de apoio sobre Gênero e Diversidade Sexual e Combate
à Homofobia seria algum sofisticado método de lavagem cerebral
dos alunos para formar, adivinhem, mais homossexuais e transgêneros.
A visão sobre os tais 'materiais de apoio' |
Estranha
é a língua portuguesa em seus múltiplos sentidos. Mesmo quando o
sentido é claro e objetivo, bum!, alguém arranja um sentido novo e
completamente diferente.
Mas a
teoria da conspiração homossexual, e os inéditos significados
da língua portuguesa, prosseguem conforme avança o texto do PEM:
[...] implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação (racial, cultural e religiosa, identidade de gênero, pessoas com deficiências, transtornos globais no desenvolvimento e altas habilidades/superdotação), criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão;
De algum
jeito muito inventivo, talvez por uma revolução da língua
portuguesa da qual só uma elite foi informada, há uma alteração no significado das palavras destacadas.
Pois subitamente políticas
de prevenção à evasão motivada por preconceitos e discriminação
por identidade de gênero passou a ser lido não como é escrito,
mas algo como políticas de formação de gays, lésbicas e
transgêneros.
Não vejo
como políticas que previnem a evasão escolar, ainda mais quando as evasões são motivadas por
preconceitos e discriminação, podem ser negativas. Mas aparentemente
há quem veja... Ok, sigamos.
A seguir, a meta 12 do PEM, cheia de polêmica só por fazer da discussão de gênero e orientação sexual uma meta.
Estabelecer ações fortalecedoras em toda a Educação do Município de Campo Mourão que contribuam para uma prática educativa com ênfase na promoção da igualdade étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, religiosidade e na garantia de acessibilidade atitudinal, conforme o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e os Princípios de Yogyakarta de 2007 (ONU, 2007).
Nós, que
gostamos tanto de igualdade (aquela do “ai de quem furar a fila do mercado na
minha frente!”), subitamente, estamos atacando um plano para a
educação que tenta se fundar justamente na promoção da igualdade
– um plano inadmissível porque tem como alvo, dentre outras coisas, tornar mais fácil a vida escolar do João
que não gosta de meninas e da Maria que até ontem era Pedro.
Para encerrar o texto, uma última citação. Afinal, a galera surta mesmo é no negócio do banheiro. E que tabu é o nosso
banheiro, hein.
Reuniões junto as/aos educadores(as) e alunos(as) referente ao tema: - Gênero e Diversidade Sexual em escolas estaduais onde há alunos(as) travestis e transexuais matriculados(as), objetivando orientar quanto ao uso do nome social e do banheiro.
O verbo
orientar, que transmite tanta sensibilidade e potencial aprendizado
(ou será que eu é que sou muito inocente para achar que transmite isso?)
de repente virou a porta de entrada para uma perversão sem fim.
Parece que para os contrários ao Plano, os professores
estariam, ao orientar quanto ao uso do banheiro onde há alunos
travestis e transexuais, estimulando a deturpação de qualquer
coisa nas crianças e adolescentes.
O dilema sobre a formação do caráter de um aluno não é a sacanagem explícita na novela das oito, nem as brigas que acontecem todo dia na mesa do jantar, nem a surra dos pais que é dada por motivos bestas, nem o bullying escolar (e nunca mesmo o bullying escolar por questões de gênero, né?); não, o dilema sobre a formação de um adulto saudável, consciente e satisfeito consigo mesmo é a respeito de com quem ele usa o banheiro na escola.
Diga-me com quem tu mijas e te direi quem és?
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O texto
do PEM é evidente e explícito, mas o medo e preconceito das pessoas
(que é, justamente, um dos alvos do PEM) é escorregadio e se enfia
por qualquer brecha entre as palavras.
E assusta, muito mesmo, como muitas dessa pessoas estão dispostas a sacrificar
aqueles ideais tão repetidos e que volta e meia enchem as bocas dessas mesmas pessoas, como dignidade, respeito e igualdade.
A escola, até onde sei, é um lugar para formar as bases não só do vestibulando, do trabalhador. Ela é uma oportunidade para fazer crescer valores civis e humanos. E como fazer isso tudo se não trouxermos o quanto antes a discussão de gênero para as escolas?
As questões de gênero não são luxo na vida social, não são supérfluas. Elas motivam violências físicas e simbólicas, e são parte essencial naquela contabilidade de cada um quando fazemos as contas da felicidade e autorrealização.
E trazer a discussão de gênero para a escola não é fazer ideologia de gênero. É, justamente, combater a que aí está - essa dos preconceitos, dos espancamentos, dos assassinatos, da vida marginal e abjeta, e que pesa sobre homossexuais, transgêneros e, adivinhe só, também sobre heterossexuais.
As questões de gênero não são luxo na vida social, não são supérfluas. Elas motivam violências físicas e simbólicas, e são parte essencial naquela contabilidade de cada um quando fazemos as contas da felicidade e autorrealização.
E trazer a discussão de gênero para a escola não é fazer ideologia de gênero. É, justamente, combater a que aí está - essa dos preconceitos, dos espancamentos, dos assassinatos, da vida marginal e abjeta, e que pesa sobre homossexuais, transgêneros e, adivinhe só, também sobre heterossexuais.