quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Por que nos (des)apaixonamos tanto?

Todos temos nossa primeira paixão. E aí vem a segunda. Depois, quem sabe, a terceira. E a quarta, a quinta, a sexta, e por aí afora, numa sequência que pode ser bem, mas bem extensa, mesmo.

Nossos avós talvez se choquem com isso, com essa molecada do tempo de hoje que não tem juízo mas já tem uma coleção razoável de relacionamentos.

Mas o que espanta não é somente a aparente facilidade com que as pessoas se apaixonam; em outras gerações, causa estranhamento também a facilidade com que as pessoas desapaixonam nos dias de hoje.

- Ué, mas teu namoradinho não era o Bruno?
- Ih, vó, o Bruno foi mês passado.

E nossos avós não estão errados em se espantar. Algo aconteceu e tornou bem mais fácil o (des)apaixonar.

Afinal, por que nos (des)apaixonamos tanto?

Vamos tentar uma explicação sociológica usando da análise de Zygmunt Bauman sobre dos dias atuais.



Os tempos líquidos. 

Sociólogo polonês ainda em atividade, Bauman (1925-) é muito famoso e popular pelo uso do adjetivo líquido para explicar a atualidade.

Esse adjetivo tenta sintetizar uma série de rupturas e continuidades que ocorrem em nossa sociedade desde o final da Segunda Guerra Mundial, algo que abrange desde o modo com que pensamos até o modo com que sentimos (que, afinal, não são coisas tão separadas assim).

Diferente do passado, quando as coisas ainda eram sólidas e duradouras, quando as tradições ainda davam sentido, coerência e certa segurança às nossas vidas, nas últimas décadas tudo tende a ser líquido. Ou seja, as coisas se tornaram frágeis, escorregadias, indeterminadas, sem forma fixa ou previsível, e por isso incomodamente inseguras.

A dualidade que Bauman lança é a de uma vida social passada organizada em regras sólidas versus uma vida social atual organizada em regras líquidas.

E tudo que é líquido é bem dramático. Coloque algo sólido sobre a mesa e ele permanece parado; derrame algo líquido e será uma sujeira enorme. Conter, manusear, controlar, segurar, dar forma... tudo isso é perturbadoramente difícil de fazer com as coisas líquidas.

E, para Bauman, nós somos pessoas envolvidas num mundo líquido.

Consumismo, a nova religião.

Uma importante chave para entender os tempos líquidos de Bauman é o consumismo.

O consumo, é claro, sempre existiu na história humana, mas consumismo é algo bem diferente.

Consumismo é quando o ato de consumir se transforma no centro da vida social, algo como a força propulsora do nosso modo de vida, e isso definitivamente não existiu desde sempre na história humana.

Assim, adquirimos coisas não mais pela necessidade que satisfazem, mas sim porque sentimos uma necessidade absurda de adquirir coisas, mesmo que dispensáveis à nossa sobrevivência.

A lógica que guia o consumismo é a dos desejos que nunca cessam, e a consequência disso é nos atirar numa perpétua substituição das coisas que prometem satisfazer nossos desejos - que, repito, muitas vezes nada tem a ver com nossa sobrevivência imediata.

E sim, tudo isto é um buraco sem fundo, um ciclo infinito e insaciável, o cachorro que corre atrás do próprio rabo, mas que o mercado capitalista sabe explorar muito bem ao lançar periodicamente novos modelos de smartphones

O problema para o qual Bauman alerta, porém, é que o consumismo virou quase uma religião - e tem até seus templos, como shopping centers e afins. E assim começamos a pensar, sentir e agir como um consumidor em todas as esferas de nossa vida; os tais bons costumes, as regras, a moral, ou simplesmente a tradição, nada disso mais importa, só o que importa são os desejos e a possibilidade de satisfazê-los (mesmo que a satisfação dure pouco tempo e logo seja substituída pela busca de outra).

E isso pode fazer uma bagunça enorme, como de fato faz.

Quando elegemos como critério máximo nossos desejos e nossa vontade de obter prazer, e portanto adotamos uma postura de consumidores para tudo, dissolvemos as antigas certezas que regiam o mundo, mas eram tais certezas que nos conferiam segurança. Sabíamos o que fazer, como fazer, ou ao menos sabíamos o que podíamos esperar que o outro faria e como faria. Em tempos de consumismo, isso tudo se perde e é substituído pela liberdade de cada um agir como quer na busca pela satisfação dos seus desejos.

Este cenário reforça os tempos líquidos de Bauman. O consumismo desvairado torna as coisas ainda mais incertas, indeterminadas, imprevisíveis, difíceis de se conter, pegar ou manusear. As coisas tornam-se um fluxo, não estado fixo. 

E, naturalmente, isso alcança também os relacionamentos humanos. Envoltos pela lógica consumista, passam a dançar conforme a música dos tempos líquidos.

E aí haja (des)apaixonar-se!

Consumidores ou apaixonados?

Somos consumidores espertos. Não aceitamos ficar com produtos defeituosos, não aceitamos pagar caro pelo que em outro lugar é mais barato, e não aceitamos ficar com um modelo velho quando já saiu um modelo mais novo e melhor no mercado. Somos assim com computadores, carros, smartphones, roupas, calçados - e também pessoas.

O mesmo critério avaliativo que usamos na troca de um produto, nós usamos também para as pessoas com quem nos relacionamos, inclusive afetivamente.

E assim, a comparação que Bauman faz, mas que em sua visão é quase literal, é a de pessoas como produtos para consumo.

Tal como num shopping center, onde somos fisgados instantaneamente por algo exposto na vitrine e que nos promete algum tipo de felicidade, somos fisgados instantaneamente por uma pessoa que, quem sabe, possa satisfazer nossa vontade de prazer.

E ficaremos com essa pessoa conforme a satisfação durar. Quando a satisfação começar a fraquejar, ou a pessoa começar a dar problemas (esses defeitos que só aparecem depois que compramos algo!),  bem, há tantas outras pessoas, tantas outras possibilidades, então por que diabos eu deveria insistir nesse produto já ultrapassado e defeituoso?

O que torna esse raciocínio legítimo ao invés de frio e calculista é justamente a lógica consumista que permeia toda a nossa vida.

Quando as escolhas não são amarradas por tradições ou normas, e sim pela vontade individual dos envolvidos, pessoas podem ser avaliadas e descartadas sem muito drama - bem, a menos que você seja o avaliado e descartado, daí dá-lhe música de dor de cotovelo.

As paixões que se acumulam em nossas vidas, que podem ir de algumas até dezenas, parecem atender a esse modus operandi consumista. Não buscamos compromisso ou durabilidade; buscamos prazer, satisfação, felicidade, e sentimos muitas vezes, na verdade, que para conseguir tudo isso devemos mais é evitar compromissos e durabilidades.

Como se diz por aí entre os enamorados de longa data, o melhor do namoro são os três ou quatro primeiros meses, depois é só dor de cabeça.

Ora, por que não viver então numa eterna sucessão de três ou quatro primeiros meses, mesmo que o preço seja a troca das pessoas?

Conectar e desconectar.

Nesse sentido, Bauman usa a ideia de estar conectado para se referir aos relacionamentos típicos desses tempos líquidos.

Uma conexão é atrativa porque é possível fazer várias, mesmo que não muito profundas; amizades coloridas, rolos, ficantes, peguetes, podemos nos conectar com muitas pessoas, e são conexões flexíveis, que não precisam de muito gasto, investimento, dedicação ou mesmo proximidade - um viva para o Facebook.

Mas gostamos do estar conectado a outra pessoa principalmente porque é extremamente fácil desconectar. Conexões são superficiais e facilmente rompidas, e aí está seu atrativo. Em tempos de incerteza, onde não sabemos o que esperar das outras pessoas, mas que também buscamos continuamente uma promessa de satisfação que pode surgir a qualquer instante, como na fila do banco ou na festa de aniversário do seu primo, a possibilidade de estar livre, leve, solto e solteiro assim que desejarmos isso, é crucial.

O pavor com que imaginamos aqueles tempos loucos em que as pessoas se casavam com 20 anos, e com pessoas que talvez nunca tinham visto antes, ou então que eram seu primeiro e único amor (!), é só um reflexo de um tempo em que desconectar das pessoas está na ordem do dia.

Nos (des)apaixonamos tanto, e tão fácil, porque o consumismo toca nossas vidas e enche de incerteza e expectativas todas as nossas escolhas. Neste cenário, compromissos a longo prazo, ou decisões em definitivo, são difíceis.

Como saber se minha escolha em definitivo coincide com a escolha em definitivo da outra pessoa? Como saber se nunca vou me arrepender da minha escolhe em definitivo, ainda mais quando há tantas opções?

Temos que provar, experimentar, estar abertos à novidade que ainda está por vir mas que nem a imaginamos, ter sempre um botão de emergência para apertar caso se desconfie que a outra pessoa não está tão envolvida quanto desejamos e preservar assim nossa autoestima. O caminho da desconexão tem que estar sempre próximo e liberado. 

Afinal, quem é que compraria um celular hoje assinando um termo de que nunca, jamais o trocaria, que permanecerá com ele até que a morte os separe?

Celulares à parte, para as paixões o drama da questão se repete. Em tempos incertos e consumistas, é mais fácil se apaixonar e depois, quando bem calhar, desapaixonar.

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Este texto foi escrito baseado na obra de Zygmunt Bauman, principalmente Amores Líquidos. Se quiser saber mais sobre o autor, sua teoria e os tempos líquidos, recomendo os seguintes vídeos no YouTube: 

domingo, 18 de outubro de 2015

Por que queremos ser sexy?

Ser sexy é legal e (quase) todos queremos ser sexy.

Associado ao erotismo e ao sensual, a palavra sexy revela um sentido positivo: é o despertar o desejo sexual em outra pessoa, mas de forma sutil, sem ser vulgar. 

Excitar, provocar, atrair... e sem perder o charme. 

Cursos são ministrados para ensinar a ser sexy, livros são escritos ensinando macetes infalíveis, e todo um mercado de roupas a perfumes gira em torno do ser sexy

A grande pergunta é como ser sexy e a resposta é a promessa de satisfação pessoal. 

O curioso é que até o início do século XX ser sexy era ofensivo e só em 1950 é que a palavra passou a ser usada como algo legal e bacana.

Ora, o que foi que mudou? 

Vamos arriscar uma explicação sociológica, e para tanto usaremos de Eva Illouz e suas considerações sobre o amor no século XXI

Afinal, por que queremos ser sexy?


Desejos e sentimentos, essas coisinhas sociológicas.

Parecem ser o recanto mais íntimo e original de nós mesmos, mas desejos e sentimentos também são socialmente organizados - inclusive os sexuais e românticos.

Culturas diferentes, em épocas diferentes, ensejam diferentes formas de organização da vida emocional.

Por consequência, a forma com que hoje gostamos de alguém, ou nos sentimos atraídos por um outro alguém, são formas características do nosso tempo e espaço. Se cairmos subitamente noutro tempo e noutro espaço, notaremos que lá, em algum grau, as pessoas gostam e se atraem de forma diversa da nossa.

Desta forma, o sexy, esse ser sensual sem ser vulgar, é algo cruzado por elaborações culturais particulares – não é nenhuma verdade inscrita em nossos genes.

Ser sexy, reconhecer alguém sexy, e mesmo a existência da categoria sexy, é algo que mexe com nossos desejos e sentimentos e justamente por isso é algo enormemente cultural.

É esse o grande pressuposto sociológico presente na teorização de Eva Illouz (1961-), socióloga marroquina conhecida pelos seus trabalhos que relacionam consumismo e vida emocional.

E este pressuposto estará aplicado na análise que a socióloga faz sobre como é que nós, viventes do século XXI, conjugamos esse doloroso verbo que é o amar, do que uma das consequências é a importância de ser sexy.

O amor de antigamente.

Illouz observa que no século XIX a concepção sobre o amor era outra.

Analisando a literatura da época (e a literatura é sempre um ótimo codificador dos costumes em vigência) nota como o amor era revestido por normas sociais.

Isto é, amar era caminhar por um emaranhado de ritos e formalidades, e todos profundamente eivados de regras gerais com as quais todos concordavam – ou ao menos todos tinham ciência.

Por exemplo, o antigo costume (e hoje impensável) de, antes de qualquer coisa, o pretendente ser apresentado à família da moça. E a família teria um peso enorme (senão o definitivo) no andamento daquele relacionamento em potencial; na maior parte das vezes, a moça só poderia amar seu pretendente conforme a família concordasse que estava tudo bem com esse amor.

Neste passado não muito distante, o que Illouz tenta nos mostrar é que se apaixonar, ou simplesmente escolher alguém como parceiro romântico, era cultivar um sentimento que crescia conforme fossem sendo cumpridas certas expectativas sociais.

Mas não só.

Essas expectativas eram tantas e tão profundas, que até as pessoas eram avaliadas por elas. Ou, trocando em miúdos, um bom partido era aquele que cumpria adequadamente todos os ritos e formalidades envolvidos no amar – ou seja, que fosse um fiel adepto às normas sociais em vigência.

E por isso é que somente a beleza não era o suficiente para um envolvimento amoroso.

Claro, beleza contava, mas nessa lógica do amor envolto em normas sociais contava muito o atendimento a, digamos, certos pré-requisitos: ter um bom caráter, ser virtuoso, ter atitudes irrepreensíveis, saber honrar compromissos, executar bem seu papel de acordo com sua posição e status sociais, e por aí vai.

Ser a tal da pessoa de bem, isso é que dava matchs no Tinder.

É preciso reparar que esses pré-requisitos têm em comum um traço fundamental, que é seu aspecto moral. Existe um certo, um errado, e tais pré-requisitos estavam do lado certo. E como bem sabemos, a moral é essencialmente social.

Daí Illouz chamar a atenção para a característica central daquele amor de antigamente: ele acontecia dentro da sociedade e a partir dos valores aceitos pelo coletivo.

Se quiséssemos forçar pra valer no argumento, e Illouz provavelmente não seria contrária a isso, dá pra dizer que nessa época a pessoa amada teria que ser como  que a concretização dos valores coletivos.

E o sexy?

Bem, o sexy começa quando o amor passa a acontecer dentro do indivíduo (não mais da sociedade) e a partir de valores individuais (não mais necessariamente aceitos pelo coletivo).

O século XX é um século sexy.

O século XX trouxe uma grande novidade, mas que hoje já nos é naturalizada: a vontade individual de cada um conta tanto ou mais do que qualquer tradição ou costume.

Aos poucos, as normas sociais, como aquelas dos ritos e formalidades do envolvimento romântico, deixaram de ser fundamentais. Ora, o que importa é a nossa vontade, o nosso desejo, aquilo que sentimos, e por isso danem-se as proibições bobas tipo não ter sexo antes do casamento.

Mas a relevância da vontade individual quando decidimos sobre nossos envolvimentos amorosos não foi um capricho divino e nem a invenção de um sujeito particularmente iluminado.

Illouz aponta uma força fundamental para entender essa mudança, que é o capitalismo. Com o crescimento da mercadificação das coisas e pessoas (tudo pode ser avaliado como uma relação de compra e venda), é rápida a ascensão do individualismo onde cada pessoa é vista como um centro de decisão e autonomia (algo como um cliente livre num mercado cheio de opções).

Deste modo, escolher um par romântico, ou se apaixonar por alguém, não é mais aquele trilhar dos chatos e repetitivos caminhos dos ritos e formalidades informados pelas normais sociais.

Basicamente, o que importa são duas coisas: atração sexual e intimidade emocional.

Queremos encontrar alguém que nos desperte aquela irresistível atração física e, ao mesmo tempo, seja a metade da nossa laranja, a tampa da nossa panela, alguém que tenha a chave para entender e completar a bagunça que somos por dentro.

Mas o destaque aqui fica por conta da atração física. Mais do que legítimo esperar que o amor envolva atração sexual, se tornou um critério quase que elementar. Quer dizer, partimos do pressuposto de que amar alguém é sentir atração sexual por esse alguém.

A publicidade, os meios de comunicação em massa, e isso para não falar da indústria de cosméticos; são esses alguns dos elementos que fizeram (e ainda fazem) reforçar a importância da atração física em nossas vid​as - primeiro reforçando a importância da mulher ser atraente, mas depois e um pouco mais lentamente também o homem. 

(vale repetir, assim como Illouz em diversos momentos de sua análise: a atração sexual sempre existiu, mas só hoje ela têm a importância que tem).

E sim, é disso daí que surgirá o sexy.

Ser sexy, ou possuir o famigerado sex appeal, só é possível porque vivemos em uma época que retirou do amor sua carga social.

Ou, melhor dizendo, não importa mais tanto se a pessoa é a tal da boa pessoa, que tem bom caráter, virtudes e que concretiza em si todos os valores morais do coletivo.

O que importa é de que modo essa pessoa consegue mexer com nossos sentimentos e desejos e assim nos atrair sexualmente – e sem problemas se for de forma intensa e rápida, como numa breve troca de olhares num bar ou num site de relacionamentos.

Mas e a importância de ser sexy, de onde vem?

Na disputa por amores, o que conta é ser sexy.

Obviamente que quando o critério maior é ser fisicamente atraente, ser sexy torna-se muito importante.

Mas Illouz vai até as minúcias dessa conclusão.

Quando vivemos nossos amores, mas não mais pelas normais sociais com seus ritos, formalidades e moralidades, acontece algo potencialmente perturbador.

As regras do jogo do amor, que eram objetivas e também conhecidas por todos, se tornam coisas confusas e incertas. É quando o gosto pessoal passa a valer – e gosto cada um tem o seu, certo?

E aí, como adoramos dizer na sociologia, amar torna-se algo subjetivo.

Quando nos rendemos ao atrativo sexual passamos a usar de parâmetros amorosos que não têm mais respaldo coletivo, não são mais parâmetros concordados e bem estabelecidos. Os parâmetros se tornam mais fluidos e dinâmicos, e a comparação com uma pessoa no mercado escolhendo (e avaliando e comparando e analisando) uma mercadoria é mais do que pertinente.

Nasce aí uma nova lógica no amar, e para entender essa nova lógica é que Illouz usa de dois conceitos.

Esse amar sem regras, onde o que importa é ter atrativos físicos e sexuais, faz surgir um campo sexual. Isto é, um lugar dentro da vida social em que:

  •  o desejo sexual se torna independente de todo o resto;
  •  em que é preciso ter como que habilidades sexuais para competir com outras pessoas;
  •  em que ter sex appeal é fundamental em termos de relacionamentos amorosos;
  •  dentro do qual o 'sexualmente atraente' motiva a classificação e hierarquização das pessoas.


Se quisermos ser mais simplistas e concretos, para entender literalmente o campo sexual podemos pensar numa balada ou qualquer festa de pegação. Em lugares assim, o envolvimento afetivo-sexual com uma outra pessoa se dá baseado naquilo que essa pessoa mais imediatamente desperta através de sua aparência, atitude e algumas poucas palavras – e às custas de todas as outras pessoas que foram descartadas graças a uma quase inconsciente classificação entre pegáveis e não pegáveis.

O segundo conceito de Illouz é um desdobramento do primeiro.

Dentro de um campo sexual vão se dar bem as pessoas que possuírem um bom capital erótico. A elevação da importância da vontade individual, assim como a valorização generalizada da beleza física, criou essa espécie de moeda de troca dentro dos campos sexuais. Cada pessoa terá uma quantidade de atributos que vão despertar um desejo erótico na outra pessoa, e isso é seu capital erótico, e ele não tem nada a ver com valores coletivos ou morais. 

Voltando às baladas e festas, podemos dizer que tem capital erótico a pessoa que nunca volta sozinha para casa.

E sim, é cruel como parece: alguns terão mais capital, outros terão menos, e alguns serão simplesmente marginais nos campos sexuais vida afora... e assim é que nossos amores acontecem.

Quando desejamos tanto ser sexy, ou damos tanta importância ao sexy, estamos expressando a importância do capital erótico na forma como amamos ou nos deixamos amar.

Trata-se de estar bem preparado num ambiente de competição.

Queremos ser sexy porque vivemos, sem nos dar muita conta, um novo tipo de amor. Um tipo em que beleza física se sobrepõe às outras belezas. Nas consequências disso, cria-se uma arena de competição que muito lembra um mercado – quem tem mais, quem oferece mais vantagens, quem tem mais poder de compra.

O ser sexy surge como um imperativo já que amar, e ser amado, envolve isso que em outros tempos era até mal visto: conseguir mexer, mais do que consegue a concorrência, com os desejos e fantasias de uma outra pessoa.

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Este texto foi escrito baseado na obra de Eva Illouz, Why love hurts: a sociological explanation. Se quiser saber um pouco mais da obra e da autora, existe uma série de vídeos no YouTube legendados para o espanhol, como este abaixo: