domingo, 18 de outubro de 2015

Por que queremos ser sexy?

Ser sexy é legal e (quase) todos queremos ser sexy.

Associado ao erotismo e ao sensual, a palavra sexy revela um sentido positivo: é o despertar o desejo sexual em outra pessoa, mas de forma sutil, sem ser vulgar. 

Excitar, provocar, atrair... e sem perder o charme. 

Cursos são ministrados para ensinar a ser sexy, livros são escritos ensinando macetes infalíveis, e todo um mercado de roupas a perfumes gira em torno do ser sexy

A grande pergunta é como ser sexy e a resposta é a promessa de satisfação pessoal. 

O curioso é que até o início do século XX ser sexy era ofensivo e só em 1950 é que a palavra passou a ser usada como algo legal e bacana.

Ora, o que foi que mudou? 

Vamos arriscar uma explicação sociológica, e para tanto usaremos de Eva Illouz e suas considerações sobre o amor no século XXI

Afinal, por que queremos ser sexy?


Desejos e sentimentos, essas coisinhas sociológicas.

Parecem ser o recanto mais íntimo e original de nós mesmos, mas desejos e sentimentos também são socialmente organizados - inclusive os sexuais e românticos.

Culturas diferentes, em épocas diferentes, ensejam diferentes formas de organização da vida emocional.

Por consequência, a forma com que hoje gostamos de alguém, ou nos sentimos atraídos por um outro alguém, são formas características do nosso tempo e espaço. Se cairmos subitamente noutro tempo e noutro espaço, notaremos que lá, em algum grau, as pessoas gostam e se atraem de forma diversa da nossa.

Desta forma, o sexy, esse ser sensual sem ser vulgar, é algo cruzado por elaborações culturais particulares – não é nenhuma verdade inscrita em nossos genes.

Ser sexy, reconhecer alguém sexy, e mesmo a existência da categoria sexy, é algo que mexe com nossos desejos e sentimentos e justamente por isso é algo enormemente cultural.

É esse o grande pressuposto sociológico presente na teorização de Eva Illouz (1961-), socióloga marroquina conhecida pelos seus trabalhos que relacionam consumismo e vida emocional.

E este pressuposto estará aplicado na análise que a socióloga faz sobre como é que nós, viventes do século XXI, conjugamos esse doloroso verbo que é o amar, do que uma das consequências é a importância de ser sexy.

O amor de antigamente.

Illouz observa que no século XIX a concepção sobre o amor era outra.

Analisando a literatura da época (e a literatura é sempre um ótimo codificador dos costumes em vigência) nota como o amor era revestido por normas sociais.

Isto é, amar era caminhar por um emaranhado de ritos e formalidades, e todos profundamente eivados de regras gerais com as quais todos concordavam – ou ao menos todos tinham ciência.

Por exemplo, o antigo costume (e hoje impensável) de, antes de qualquer coisa, o pretendente ser apresentado à família da moça. E a família teria um peso enorme (senão o definitivo) no andamento daquele relacionamento em potencial; na maior parte das vezes, a moça só poderia amar seu pretendente conforme a família concordasse que estava tudo bem com esse amor.

Neste passado não muito distante, o que Illouz tenta nos mostrar é que se apaixonar, ou simplesmente escolher alguém como parceiro romântico, era cultivar um sentimento que crescia conforme fossem sendo cumpridas certas expectativas sociais.

Mas não só.

Essas expectativas eram tantas e tão profundas, que até as pessoas eram avaliadas por elas. Ou, trocando em miúdos, um bom partido era aquele que cumpria adequadamente todos os ritos e formalidades envolvidos no amar – ou seja, que fosse um fiel adepto às normas sociais em vigência.

E por isso é que somente a beleza não era o suficiente para um envolvimento amoroso.

Claro, beleza contava, mas nessa lógica do amor envolto em normas sociais contava muito o atendimento a, digamos, certos pré-requisitos: ter um bom caráter, ser virtuoso, ter atitudes irrepreensíveis, saber honrar compromissos, executar bem seu papel de acordo com sua posição e status sociais, e por aí vai.

Ser a tal da pessoa de bem, isso é que dava matchs no Tinder.

É preciso reparar que esses pré-requisitos têm em comum um traço fundamental, que é seu aspecto moral. Existe um certo, um errado, e tais pré-requisitos estavam do lado certo. E como bem sabemos, a moral é essencialmente social.

Daí Illouz chamar a atenção para a característica central daquele amor de antigamente: ele acontecia dentro da sociedade e a partir dos valores aceitos pelo coletivo.

Se quiséssemos forçar pra valer no argumento, e Illouz provavelmente não seria contrária a isso, dá pra dizer que nessa época a pessoa amada teria que ser como  que a concretização dos valores coletivos.

E o sexy?

Bem, o sexy começa quando o amor passa a acontecer dentro do indivíduo (não mais da sociedade) e a partir de valores individuais (não mais necessariamente aceitos pelo coletivo).

O século XX é um século sexy.

O século XX trouxe uma grande novidade, mas que hoje já nos é naturalizada: a vontade individual de cada um conta tanto ou mais do que qualquer tradição ou costume.

Aos poucos, as normas sociais, como aquelas dos ritos e formalidades do envolvimento romântico, deixaram de ser fundamentais. Ora, o que importa é a nossa vontade, o nosso desejo, aquilo que sentimos, e por isso danem-se as proibições bobas tipo não ter sexo antes do casamento.

Mas a relevância da vontade individual quando decidimos sobre nossos envolvimentos amorosos não foi um capricho divino e nem a invenção de um sujeito particularmente iluminado.

Illouz aponta uma força fundamental para entender essa mudança, que é o capitalismo. Com o crescimento da mercadificação das coisas e pessoas (tudo pode ser avaliado como uma relação de compra e venda), é rápida a ascensão do individualismo onde cada pessoa é vista como um centro de decisão e autonomia (algo como um cliente livre num mercado cheio de opções).

Deste modo, escolher um par romântico, ou se apaixonar por alguém, não é mais aquele trilhar dos chatos e repetitivos caminhos dos ritos e formalidades informados pelas normais sociais.

Basicamente, o que importa são duas coisas: atração sexual e intimidade emocional.

Queremos encontrar alguém que nos desperte aquela irresistível atração física e, ao mesmo tempo, seja a metade da nossa laranja, a tampa da nossa panela, alguém que tenha a chave para entender e completar a bagunça que somos por dentro.

Mas o destaque aqui fica por conta da atração física. Mais do que legítimo esperar que o amor envolva atração sexual, se tornou um critério quase que elementar. Quer dizer, partimos do pressuposto de que amar alguém é sentir atração sexual por esse alguém.

A publicidade, os meios de comunicação em massa, e isso para não falar da indústria de cosméticos; são esses alguns dos elementos que fizeram (e ainda fazem) reforçar a importância da atração física em nossas vid​as - primeiro reforçando a importância da mulher ser atraente, mas depois e um pouco mais lentamente também o homem. 

(vale repetir, assim como Illouz em diversos momentos de sua análise: a atração sexual sempre existiu, mas só hoje ela têm a importância que tem).

E sim, é disso daí que surgirá o sexy.

Ser sexy, ou possuir o famigerado sex appeal, só é possível porque vivemos em uma época que retirou do amor sua carga social.

Ou, melhor dizendo, não importa mais tanto se a pessoa é a tal da boa pessoa, que tem bom caráter, virtudes e que concretiza em si todos os valores morais do coletivo.

O que importa é de que modo essa pessoa consegue mexer com nossos sentimentos e desejos e assim nos atrair sexualmente – e sem problemas se for de forma intensa e rápida, como numa breve troca de olhares num bar ou num site de relacionamentos.

Mas e a importância de ser sexy, de onde vem?

Na disputa por amores, o que conta é ser sexy.

Obviamente que quando o critério maior é ser fisicamente atraente, ser sexy torna-se muito importante.

Mas Illouz vai até as minúcias dessa conclusão.

Quando vivemos nossos amores, mas não mais pelas normais sociais com seus ritos, formalidades e moralidades, acontece algo potencialmente perturbador.

As regras do jogo do amor, que eram objetivas e também conhecidas por todos, se tornam coisas confusas e incertas. É quando o gosto pessoal passa a valer – e gosto cada um tem o seu, certo?

E aí, como adoramos dizer na sociologia, amar torna-se algo subjetivo.

Quando nos rendemos ao atrativo sexual passamos a usar de parâmetros amorosos que não têm mais respaldo coletivo, não são mais parâmetros concordados e bem estabelecidos. Os parâmetros se tornam mais fluidos e dinâmicos, e a comparação com uma pessoa no mercado escolhendo (e avaliando e comparando e analisando) uma mercadoria é mais do que pertinente.

Nasce aí uma nova lógica no amar, e para entender essa nova lógica é que Illouz usa de dois conceitos.

Esse amar sem regras, onde o que importa é ter atrativos físicos e sexuais, faz surgir um campo sexual. Isto é, um lugar dentro da vida social em que:

  •  o desejo sexual se torna independente de todo o resto;
  •  em que é preciso ter como que habilidades sexuais para competir com outras pessoas;
  •  em que ter sex appeal é fundamental em termos de relacionamentos amorosos;
  •  dentro do qual o 'sexualmente atraente' motiva a classificação e hierarquização das pessoas.


Se quisermos ser mais simplistas e concretos, para entender literalmente o campo sexual podemos pensar numa balada ou qualquer festa de pegação. Em lugares assim, o envolvimento afetivo-sexual com uma outra pessoa se dá baseado naquilo que essa pessoa mais imediatamente desperta através de sua aparência, atitude e algumas poucas palavras – e às custas de todas as outras pessoas que foram descartadas graças a uma quase inconsciente classificação entre pegáveis e não pegáveis.

O segundo conceito de Illouz é um desdobramento do primeiro.

Dentro de um campo sexual vão se dar bem as pessoas que possuírem um bom capital erótico. A elevação da importância da vontade individual, assim como a valorização generalizada da beleza física, criou essa espécie de moeda de troca dentro dos campos sexuais. Cada pessoa terá uma quantidade de atributos que vão despertar um desejo erótico na outra pessoa, e isso é seu capital erótico, e ele não tem nada a ver com valores coletivos ou morais. 

Voltando às baladas e festas, podemos dizer que tem capital erótico a pessoa que nunca volta sozinha para casa.

E sim, é cruel como parece: alguns terão mais capital, outros terão menos, e alguns serão simplesmente marginais nos campos sexuais vida afora... e assim é que nossos amores acontecem.

Quando desejamos tanto ser sexy, ou damos tanta importância ao sexy, estamos expressando a importância do capital erótico na forma como amamos ou nos deixamos amar.

Trata-se de estar bem preparado num ambiente de competição.

Queremos ser sexy porque vivemos, sem nos dar muita conta, um novo tipo de amor. Um tipo em que beleza física se sobrepõe às outras belezas. Nas consequências disso, cria-se uma arena de competição que muito lembra um mercado – quem tem mais, quem oferece mais vantagens, quem tem mais poder de compra.

O ser sexy surge como um imperativo já que amar, e ser amado, envolve isso que em outros tempos era até mal visto: conseguir mexer, mais do que consegue a concorrência, com os desejos e fantasias de uma outra pessoa.

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Este texto foi escrito baseado na obra de Eva Illouz, Why love hurts: a sociological explanation. Se quiser saber um pouco mais da obra e da autora, existe uma série de vídeos no YouTube legendados para o espanhol, como este abaixo:

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