terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A culpa é da soja!

O nome do texto é “A soja está fazendo crianças gays”. Nele, seu autor – o pastor norte-americano James Rutz – defende que o consumo de tal leguminosa provoca homossexualidade

É, pois é.
Bem, poderia ser um ótimo conto de ficção com um fundo humorístico... Só que pretende ser sério e, pior, científico.

O raciocínio do pastor é simples: soja contém estrogênio, estrogênio é hormônio feminino, logo, consumir hormônio feminino transforma o homem num menos homem, e daí vem a inevitável homossexualidade.
E o cara é bizarramente categórico. Diz ele que se você é homem e consome soja, “está suprimindo sua masculinidade” e trazendo à tona a feminilidade “tanto física quanto mentalmente”.

Mas tudo pode piorar; lembremos que a soja tem o borogodó que todo médico recomenda. Produtos de soja é o que não falta no mercado e na mesa de muitas pessoas. Nem os bebês – pobres bebês! - escapam da nutrição à base de soja. 

Daí o diagnóstico pessimista do pastor: um aumento gritante nos casos de homossexualismo. Coitadinhas as crianças de hoje em dia! Tem sua masculinidade furtada nutricionalmente, sugere o pastor.

No meio de tanto conservadorismo não poderia faltar, claro, a cereja do bolo: “a homossexualidade é sempre um desvio sexual”.

Outras coisas assustam durante o texto, mas vou ao básico. O seu pior é a formula de convencimento: seus argumentos secundários são amparados pela ciência, mas o argumento principal é uma extensão falsa daqueles argumentos secundários. Elabora, pois, uma grande falácia.

Quer dizer... óbvio que o estrogênio contido na soja pode fazer mal ao organismo. O debate médico em torno dessa possibilidade é consistente. Efeitos incomuns resultantes de um desequilíbrio hormonal graças ao estrogênio parecem existir – má formação genital masculina, por exemplo, é o que sugerem algumas pesquisas.

Mas partir disso para afirmar que o desejo do cidadão vai se voltar para outros homens, é uma grande bobagem. Desejos não se resumem a hormônios, muito menos quando o assunto é o alvo desses desejos.
Pior ainda é dizer que a soja é feminilizadora, e por consequência desconstrutora da masculinidade. Um olhar atento à realidade demonstra como essas duas categorias – feminino e masculino – são essencialmente sociais e prenhes dos mais intrincados valores culturais.

Aí aparece um pastor afirmando que é a soja que manufatura a homossexualidade!

Enfim, como nada é tão ruim que não possa trazer algo de bom, depois desse texto fui ler mais a respeito da soja. E é realmente curioso como as pesquisas vêm demonstrando que a soja é muito mais perigosa do que nos dizem os manuais de boa alimentação. Um perigo que vai desde câncer até problemas de crescimento - claro que essas pesquisas sérias não mencionam nada sobre um inapelável destino homossexual de quem consome soja.

E por que continuam dizendo que soja é tudo de bom? Ora, tudo faz parte do maquiavélico mercado mundial que não quer perder seus lucros com a produção do grão.

Quase uma teoria da conspiração, fato. Mas bem mais plausível do que a teoria do pastor.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A Geração Y e a máquina de lavar.

O berro vem lá da sala do computador: 

- Filhoooo. 

É minha mãe. 

Ela me chama e sei o porquê. 

Ainda assim, esperançoso, berro em resposta:

- Quê? 

Um breve silêncio... 

Ela está escolhendo as palavras certas, quer me fisgar.

 - Vem cá um pouquinho. 

Até o berro saiu mais gentil. Cedo, vou, e não dá em outra: ela quer ajuda para passar as fotos da câmera digital para o computador. Exatamente como eu suspeitava. Resignado, eu suspiro.

Aí vem a repetição das mesmas orientações de outras tantas vezes: conecta esse cabo ali, aperta a câmera aqui, clica naquele botão daquela janela lá, etc.

Admito que sou um péssimo filho nessas horas e esqueço dos nove meses de tormenta que causei. Quase perco a paciência. Com um tom de voz enfadado vou dando instruções. Lá pelas tantas minha mãe perde o fio de meada. Ao que parece, além de mau filho, sou um péssimo professor.

Repito as instruções e emendo:

- Olha, mãe, tá tudo na tela, não tem mistério. Se você quer copiar, só precisa achar o copiar; depois de copiar, você quer colar, não é? Então acha o colar, entende? Tá tudo aí na tela, é lógico, é intuitivo.

Se as palavras não bastarem, o tom de voz, sempre enfadado, me concede uns séculos no inferno.

Mas não é minha culpa.

É só o mal de ser da dita Geração Y. Essa geração nascida na década de 80 que acompanhou, enquanto crescia, a vertiginosa explosão tecnológica: computadores, internet, celulares, e então computadores menores, internet mais rápida e celulares mais completos. Isso sem falar em tantos outros aparelhinhos mágicos que cabem na palma da mão e te conectam com o mundo todo.

Pois é, Geração Y. A gente não tem mesmo jeito para ficar às voltas com o básico...

Aí, depois do episódio do computador, como que por gracejo do destino, meus pais foram viajar. E antes de viajar uma questão crucial vem à tona: 

- Mãe, e como eu lavo minhas roupas?

Antes de continuar, cabe explicação. Aqui em casa temos uma máquina de lavar. E eu já lidei com uma máquina de lavar. O problema, porém, é que as duas máquinas são diferentes; aqui de casa é velha e gigantesca, aquela que eu já tivera contato era pequena e moderninha. Pra mim, coisas tão diferentes quanto planetas distantes.

Daí a pergunta:

- Mãe, e como eu lavo minhas roupas?

Sem parar de mexer o feijão, ela começou a me explicar como operar máquina de lavar. Não entendi patavina, mas fiz que entendi. Disfarçadamente vou até a máquina e a observo para ver se algo faz sentido diante da visão. Que nada.

Brastemp Luxo Plus, diziam as letras douradas no painel daquela caixa metálica de sabe Deus quantos litros. Abaixo, num lado do painel, tinha um botão desses de girar, indicado como Nível de Água; botão todo graduado, vários níveis de ajuste, e no topo um enigmático Reajustar.

Do outro lado do painel um botão de girar idêntico. Mas escrito ao seu redor, em alturas diferentes, Centrifugar, Enxaguar, e Molho, tendo ainda pequenas marcas, tipo as do relógio, de 30, 20, e 10.

Olhei e conclui filosoficamente não ter, de fato, a mínima ideia de como fazer aquilo lavar minhas roupas. Como dissera, dois planetas distantes.

Volto para a cozinha:

- Como é mesmo mãe, eu giro o quê pra onde?

Ela, professora de formação, me explica calma e tranquilamente.

De novo não entendo nada. Humilde, peço:

- Tem como deixar anotado essas coisas?

Aí, ela que cuidava agora do arroz, vira o rosto para mim com um sorriso triunfante. Triunfante mas recente, na certa surgido dum estalo vingativo a pouco percebido. E não demorou muito para que o sorriso fosse traduzido em palavras:

- Ué, tá lá no painel, filho, não tem mistério. Se você quer por de molho, tá lá, molho; se você quiser que centrifugue, só tem que achar o Centrifugar; dependendo do tanto de roupa, você aumenta o Nível de Água, e tá lá, no painel, marcadinho. É lógico, filho, é intuitivo...

E o juiz apita o fim de jogo! Um gol aos 45 do segundo tempo, um gol salvador para calar a boca da torcida adversária!

No fim, passei alguns dias racionando minhas roupas; não tinha como por aquilo para funcionar sem colocar em risco minha integridade física – e das minhas camisetas.

Não adianta. Quando se fala em Geração Y, o que conta mesmo é a geração baby boomer com todos seus botões de girar encrustados em gigantescos artefatos metálicos indecifráveis.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

The Runaways - Garotas do Rock (2010)

O filme The Runaways me deixou um tanto para baixo. E nem foi pela atuação da Kristen Stewart, que dessa vez até consegue convencer. É que descobri que para mim não há nada mais deprimente do que esses filmes sobre bandas que atingem o topo só para caírem lá de cima numa espiral dolorosa de drogas e egos.

E o filme é exatamente assim, deprimente pra burro.

Mas o filme fez mais do que deprimir.

Eu não sabia que existia mesmo uma banda chamada The Runaways e sabia menos ainda que ela foi um marco musical já que era formada totalmente por mulheres. A gente sempre aprende algo. E para complicar, tocavam rock. Imagine só. Garotas tocando rock, o bom, velho e agressivo rock. Isso lá nos idos de 1975.

Aí que o filme dá um destaque no caráter inovador da banda, que se não foi uma revolução completa também não foi algo tão comum assim. Como dizia, um marco.

Quando fui devolver o filme na locadora, o atendente pergunta o que achei. Ora, respondi, gostei. Ainda acrescentei, quem gosta de música também há de gostar. Ele sorriu e para justificar a pergunta me disse que ninguém tinha gostado muito.

Fiquei matutando o porquê. Quer dizer, não é um filme mal feito e, repito, a Kristen Stewart até convence. Além do que, tantas porcarias as pessoas pegam na seção Drama, Romance, Comédia, Aventura ou Terror, e gostam, ou se não gostam, sequer dão-se ao esforço de formar um trabalhoso e cansativo senso de juízo acerca dos filmes. Então por que com The Runaways seria diferente?

A resposta está no próprio filme. É meu palpite.

Mostre garotas com guitarras e baterias, e certamente alguém torcerá o nariz. Pior. Deixe elas fazerem aquele barulho que alguns chamam de rock e cantarem coisas tipo “você me deixa selvagem, oh, você sabe que me deixa”, ou então “sou a vadia com uma guitarra quente” , e pronto, alguém vai tirar as crianças da sala. Continue testando os limites, mostre as garotas cheirando quilos de pó enquanto dão uns amassos aqui e ali, com homens e também com mulheres. Fogueira nelas! A TV há de ser desligada, cedo ou tarde.

Em suma, mostre garotas fazendo o que os homens faziam há tempos que alguém vai se incomodar.

Por ironia, o filme mostrava esse tipo de reação lá na década de 70, e agora sabe-se lá até onde esse desgostar do filme não é a mesma reação perpetuada. Algumas coisas parecem continuar seguindo o preceito de que nem tudo que é legal para os homens é legal para as mulheres.

De todo jeito, o filme é bom. Pelo menos para quem gosta de música. E para os tarados de plantão também: não é sempre que se vê Kristen Stewart beijando Dakota Fanning. Se colocassem essa informação na capa, ah, as locações iam às alturas!