O berro vem lá da sala do computador:
- Filhoooo.
É minha mãe.
Ela me chama e sei o porquê.
Ainda assim, esperançoso, berro em resposta:
- Quê?
Um breve silêncio...
Ela está escolhendo as palavras certas, quer me fisgar.
- Vem cá um pouquinho.
- Vem cá um pouquinho.
Até o berro saiu mais gentil. Cedo, vou, e não dá em outra: ela quer ajuda para passar as fotos da câmera digital para o computador. Exatamente como eu suspeitava. Resignado, eu suspiro.
Aí vem a repetição das mesmas orientações de outras tantas vezes: conecta esse cabo ali, aperta a câmera aqui, clica naquele botão daquela janela lá, etc.
Admito que sou um péssimo filho nessas horas e esqueço dos nove meses de tormenta que causei. Quase perco a paciência. Com um tom de voz enfadado vou dando instruções. Lá pelas tantas minha mãe perde o fio de meada. Ao que parece, além de mau filho, sou um péssimo professor.
Repito as instruções e emendo:
- Olha, mãe, tá tudo na tela, não tem mistério. Se você quer copiar, só precisa achar o copiar; depois de copiar, você quer colar, não é? Então acha o colar, entende? Tá tudo aí na tela, é lógico, é intuitivo.
- Olha, mãe, tá tudo na tela, não tem mistério. Se você quer copiar, só precisa achar o copiar; depois de copiar, você quer colar, não é? Então acha o colar, entende? Tá tudo aí na tela, é lógico, é intuitivo.
Se as palavras não bastarem, o tom de voz, sempre enfadado, me concede uns séculos no inferno.
Mas não é minha culpa.
É só o mal de ser da dita Geração Y. Essa geração nascida na década de 80 que acompanhou, enquanto crescia, a vertiginosa explosão tecnológica: computadores, internet, celulares, e então computadores menores, internet mais rápida e celulares mais completos. Isso sem falar em tantos outros aparelhinhos mágicos que cabem na palma da mão e te conectam com o mundo todo.
Pois é, Geração Y. A gente não tem mesmo jeito para ficar às voltas com o básico...
Aí, depois do episódio do computador, como que por gracejo do destino, meus pais foram viajar. E antes de viajar uma questão crucial vem à tona:
- Mãe, e como eu lavo minhas roupas?
Antes de continuar, cabe explicação. Aqui em casa temos uma máquina de lavar. E eu já lidei com uma máquina de lavar. O problema, porém, é que as duas máquinas são diferentes; aqui de casa é velha e gigantesca, aquela que eu já tivera contato era pequena e moderninha. Pra mim, coisas tão diferentes quanto planetas distantes.
Daí a pergunta:
- Mãe, e como eu lavo minhas roupas?
- Mãe, e como eu lavo minhas roupas?
Sem parar de mexer o feijão, ela começou a me explicar como operar máquina de lavar. Não entendi patavina, mas fiz que entendi. Disfarçadamente vou até a máquina e a observo para ver se algo faz sentido diante da visão. Que nada.
Brastemp Luxo Plus, diziam as letras douradas no painel daquela caixa metálica de sabe Deus quantos litros. Abaixo, num lado do painel, tinha um botão desses de girar, indicado como Nível de Água; botão todo graduado, vários níveis de ajuste, e no topo um enigmático Reajustar.
Do outro lado do painel um botão de girar idêntico. Mas escrito ao seu redor, em alturas diferentes, Centrifugar, Enxaguar, e Molho, tendo ainda pequenas marcas, tipo as do relógio, de 30, 20, e 10.
Olhei e conclui filosoficamente não ter, de fato, a mínima ideia de como fazer aquilo lavar minhas roupas. Como dissera, dois planetas distantes.
Volto para a cozinha:
- Como é mesmo mãe, eu giro o quê pra onde?
- Como é mesmo mãe, eu giro o quê pra onde?
Ela, professora de formação, me explica calma e tranquilamente.
De novo não entendo nada. Humilde, peço:
- Tem como deixar anotado essas coisas?
- Tem como deixar anotado essas coisas?
Aí, ela que cuidava agora do arroz, vira o rosto para mim com um sorriso triunfante. Triunfante mas recente, na certa surgido dum estalo vingativo a pouco percebido. E não demorou muito para que o sorriso fosse traduzido em palavras:
- Ué, tá lá no painel, filho, não tem mistério. Se você quer por de molho, tá lá, molho; se você quiser que centrifugue, só tem que achar o Centrifugar; dependendo do tanto de roupa, você aumenta o Nível de Água, e tá lá, no painel, marcadinho. É lógico, filho, é intuitivo...
E o juiz apita o fim de jogo! Um gol aos 45 do segundo tempo, um gol salvador para calar a boca da torcida adversária!
No fim, passei alguns dias racionando minhas roupas; não tinha como por aquilo para funcionar sem colocar em risco minha integridade física – e das minhas camisetas.
Não adianta. Quando se fala em Geração Y, o que conta mesmo é a geração baby boomer com todos seus botões de girar encrustados em gigantescos artefatos metálicos indecifráveis.
Isso porque vocÊ não viu como funciona com os clientes quando se trata de usar os caixas eletrônicos =P
ResponderExcluirBEIJUU