segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Por que o Facebook é uma vitrine de pessoas?

A metáfora não é complicada. Ali, entre Curtidas, Compartilhamentos e Comentários, é fácil ver os perfis da rede social como vitrines para seus usuários – seja essa vitrine sincera e honesta ou não.

Mostrar-se assim ou assado, anunciar-se simpático a essa ou aquela causa (e de quebra curtir uns vídeos de gatinhos fofos pois ninguém é de ferro): o Facebook como uma grande exposição de pessoas com seus gostos, preferências, opiniões e hábitos.

E de muitas pessoas, já que são mais de um bilhão de usuários no mundo todo.

Mas o que é que acontece para que a gente se renda a essa exposição online? De que modo pode parecer normal, e para algumas pessoas uma rotina indispensável, essa exposição pessoal dentro das telas de um computador ou smartphone?

Ou, na pergunta-título, por que o Facebook é uma vitrine de pessoas?

Vamos tentar dar uma possível explicação a essa metáfora da vitrine, e para tanto usar das discussões sociológicas sobre a identidade em tempos de internet.


Identidade: sempre por fazer.

A identidade é uma daquelas coisas bem complicadas na vida social.

Obviamente não nascemos com uma identidade pronta e acabada e, portanto, o caminho até conseguir responder ao “quem sou eu?” é longo e sinuoso. Como seres sociais que somos, a identidade só surge conforme adentramos na vida social.

E pior ainda, a identidade é um esforço contínuo durante toda essa vida. Todos os dias, a todo tempo, estamos construindo e mantendo uma identidade – que é, na verdade, uma composição de identidades simultâneas, como ser, por exemplo, funcionário público e pai e católico e politicamente à esquerda e vegetariano e tantas outras coisas mais.

O que os sociólogos da contemporaneidade dizem é que construímos nossas identidades e fazemos isso o tempo todo, mesmo que sem se dar conta. Trata-se de um perpétuo trabalho, e um trabalho ingrato, pois nunca chegamos ao fim – estamos sempre sendo algo, lutando para não deixar de ser outro algo, enquanto ainda queremos ser mais alguma coisa.

E quando a internet chegou, lá em meados da década de 1990, é claro que ela viria influenciar tudo isso.

O Laboratório.

Com o advento da internet comercial e a sua popularização, estudiosos da vida social começaram o que seria uma longa série de questionamentos: quais os efeitos do online em nossas vidas?

E, claro, os efeitos disso para nossas identidades.

Já naquele tempo, alguns estudos apontaram a facilidade com que as pessoas mudavam de identidades através da internet. Ou, melhor, brincavam com as suas identidades.

Nas poderosas palavras de Sherry Turkle(1948-), é como se a internet fosse um laboratório no qual podemos realizar experiências de construção e reconstrução do que somos.

Se a identidade estava sempre sendo feita, na internet a gente descobriu um recurso e tanto.

Seja por jogos eletrônicos, chats ou, mais atualmente, redes sociais, na internet podemos viver, inventar e encontrar facetas de nós mesmos que no offline podemos não conseguir viver, inventar nem encontrar.

Muito iconicamente, a internet veio mostrando como a identidade é algo por ser feito e que está sendo feito o tempo todo também através das auto-identificações online, dos relacionamentos à distância ou das comunidades virtuais a que nos afiliamos.

A sutileza desse oba-oba identitário virtual, no entanto, está num pequeno detalhe. E é o detalhe que nos joga ao Facebook como vitrine de pessoas.

A saber, as identidades, inclusive na internet, precisam ser mostradas, praticadas, ou, numa palavra, encenadas.

E é com muita dedicação que fazemos isso no Facebook usando de Curtidas, Compartilhamentos ou de mesmo modestos Comentários com emoticons.

Curtir ou não Curtir, eis a questão.

Podemos partir de um pressuposto: ao lado de outras possíveis razões e motivos que nos levam a usar do Facebook, toda manifestação no Facebook tende a ser uma afirmação identitária.

Curtir, Compartilhar, Comentar, sinônimos para um certo querer ser, mas que é expresso publicamente.

Anunciar a simpatia por um texto, imagem ou vídeo, mesmo que num simples Curtir, é compor uma pequena narrativa identitária que tenta assimilar o conteúdo curtido na identidade que estamos construindo para nós mesmos.

Algo como diga-me o que curtes e te direi quem és!

Neste sentido é que o Facebook é uma vitrine, e a razão disso é uma maneira muito particular de construirmos nossas identidades.

Não são elas apenas coisas sempre por serem feitas. Hoje, elas podem ser feitas ali, através das telas de um dispositivo eletrônico conectado à internet e usando das redes sociais.

Você não precisa mais conversar face a face com ninguém para anunciar que é a favor do impeachment da Dilma; basta Compartilhar na sua timeline qualquer texto que também seja a favor e todos os seus amigos facebookianos saberão da sua posição – ou melhor, saberão desse pedacinho da sua identidade.

E saberão mais, ou com maior fé, tanto quanto você Compartilhar o maior número desses textos, se perder em inúmeras e intensas discussões nos Comentários, Curtir provocadoramente os infinitos memes e afins anti-Dilma.

O Facebook é ainda uma vitrine no sentido de ser muito passível a estratégias.

Afinal, vitrines não são montadas à revelia ou ao acaso pelo lojista; elas precisam seduzir o olhar para aquilo que é mostrado, certo? Não raro, mais do que seduzir, precisam fazer com que o observador casual se torne um consumidor potencial.

Quer dizer, na internet, as pessoas controlam com maior facilidade aquilo que mostram aos outros. A exposição pessoal pode ser mais bem pensada, ajustada, corrigida conforme o objetivo visado – mesmo que às vezes isso não seja tão consciente quanto parece ser. Em frente a um computador, um tom de voz inseguro ou olhares esquivos não depõem contra a gente e fica muito mais fácil parecer seguro e assertivo através de textos e imagens. 

E assim, dar um Curtir aqui, Compartilhar uma notícia lá, ou ainda entrar numa agressiva discussão nos Comentários de postagem alheia, é também a linha de chegada de uma identidade sendo expressa e mantida. É um clique de mouse que traduz uma complexa mistura daquilo que somos com aquilo que queremos ser, mas temperado com aquilo que queremos que os outros vejam da gente. 

Algo que o vídeo What's on your mind?, sobre as mentiras que construímos sobre nós mesmos nas redes sociais, conseguiu problematizar muito bem.  

Se você é nerd, e não se importa com isso (e talvez até se orgulhe), não vai te custar nada dar um Curtir a página do Mundo Nerd. Mas supondo que você goste de, sei lá, sadomasoquismo, talvez pense duas vezes antes de Curtir uma página referente ao assunto - pelo menos com o mesmo perfil que você use para falar com sua vó.

Facebook, um sinal dos nossos tempos.

Mas o uso do Facebook como vitrine não é algo para ser condenado. Pelo menos não no nível analítico.

Considerando a configuração atual das identidades, é apenas um outro modo de vivê-las e construí-las, e um modo que é razoavelmente inevitável – hoje em dia Facebook é como uma segunda carteira de identidade.

Zygmunt Bauman(1925-), apesar de condenar horrores as práticas de identidades no online como essas construídas e mantidas via Facebook, acredita que elas existam justamente porque o mundo atual nos exige esse tipo de construção identitária.

Para este sociólogo, as identidades seriam assim (conectadas e um tanto efêmeras e descartáveis conforme a moda) pois nossa sociedade apresenta uma crescente individualização, particularmente expressa no consumismo, em que queremos ser uma porção de coisas – mais ainda, somos impelidos a querer ser uma porção de coisas. E a vontade do que queremos ser hoje pode não durar até amanhã, daí a conveniência de construímos identidades tão frágeis quanto um clique do mouse, descartáveis conforme o ritmo da moda exigir.

Sim, identidades rápidas e fáceis, como aquelas obtidas através de um Curtir, vêm muito a calhar.

Pode ser muito difícil, trabalhoso e cansativo mostrar-se um cidadão do mundo, ciente das mazelas internacionais, engajado nas discussões que estão na ordem do dia; mas é fácil colocar um filtro na foto do perfil e mostrar-se solidário aos ataques terroristas em Paris. E mais fácil ainda trocar por um outro filtro depois quando uma outra comoção coletiva atingir a internet.

(vale dizer que não está em jogo aqui a possível utilidade, dignidade ou validade de manifestações coletivas como essa dos filtros facebookianos, senão uma possível e breve análise de alguns [e somente alguns!] de seus fundamentos).

O Facebook como vitrine não é exatamente uma anomalia, um pecado, ou algo com o que você deva se envergonhar por participar. Não é ele que nos torna possivelmente superficiais e vaidosos. Ao contrário, por estarmos todos diluídos num mar de superficialidade e vaidade é que recursos como o Facebook podem ser atrativos.

Colocar-se em vitrine é só o efeito colateral, mais ou menos inevitável, da contemporaneidade.

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