quarta-feira, 16 de junho de 2010

Dias esquisitos

Tem dias que são esquisitos

Pior: a esquisitice começa cedo

Quando o pé quente, recém saído das cobertas, pousa no chão frio, algo de esquisito já bate dentro da gente. Pior dois: a esquisitice é nossa e de mais ninguém. Sim, pois é só o nosso pé encostando no chão e somos apenas nós que nos sentimos esquisitos depois disso. Logo vem a dúvida cruel, serão os dias esquisitos ou nós que somos esquisitos alguns dias?

É uma sensação complexa. Confusa e difusa. Parece correr em nossos pensamentos de uma ponta a outra, sejam eles pequenos ou grandes; parece pairar sobre nossas vontades feito uma rígida ditadura da esquisitice, ditando o ritmo (esquisito) da marcha (esquisita) de todas elas. No entanto, não dá para apontar essa sensação e menos ainda detê-la.

Seguem consequências práticas: estudar é complicado; assistir jogo da Copa é chato; comer é só mastigação; e ter que ser apresentável aos outros bons cidadãos torna-se uma parte insustentável duma rotina mais furada do que nunca.

É um sentimento de que algo falta. Uma ausência que desencadeia essa sensação de estranheza. Um descompasso interno, só não se sabe o que descompassou do que. Só se sabe que foi um treco que se iniciou quando alguma coisa – talvez alguém? – faltou. Como eu disse, uma ausência que dá início ao estranho dia. Suspeita-se que o que sumiu foi um ponto-chave, uma engrenagem fundamental tua que, quando retirada do mecanismo, compromete tudo.

Concluímos forçosamente que se é assim, então só podia mesmo ser um dia esquisito.

Mas sei lá. O que poderia estar faltando? Se fosse um objeto real e concreto, apalparíamos os bolsos à procura de uma pista. Revistaríamos a memória com perguntas idiotas do tipo ‘de onde eu acabei de vir, para onde estava indo, o que eu estava fazendo’. Talvez assim uma revelação nos surgisse como presente.

Se fosse real e concreto, vasculharíamos o quarto, depois a sala, então o banheiro e, por último, até dentro da geladeira. Não se sabe o que é que se procura, mas algo está sendo procurado. Sim, pois algo falta, algo está ausente. Está estranho porque algo está ausente. É a engrenagem, o ponto-chave. Sabemos apenas que algo falta. O que era mesmo? Isso não se sabe, mas sente-se que se por acaso o olho bater em cima do objeto certo a gente vai lembrar e soltar cheio de satisfação: achei!

Mas em dias esquisitos do tipo que estou falando, o que falta não é algo concreto nem real. Talvez seja real, mas é o tipo de real que não está no concreto e por isso é tão complicado. Difuso e confuso, eu dizia. Por isso a gente não acha ou encontra, e nem adianta procurar pela casa toda. Já os bolsos parecem pequenos demais para comportar essa anônima falta que deixa o dia tão esquisito.

No fim só resta mesmo ter um dia esquisito. Resignação (mais uma?) sempre vai bem. Mas a gente torce que depois de entrarmos naquele portal chamado cama – que nos leva direto através duma fissura temporal até um outro dia, isso quase que instantaneamente após o fechar dos olhos – as coisas voltem ao normal. E uma hora tem que voltar, é necessário.

É que dias esquisitos são um saco, de verdade.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A vida é tão bonita!

Às vezes eu fico escutando o papo dos outros. Mas não é por mal, apenas acontece.

Eu estava almoçando, quase na metade do prato, quando os três chegaram. Um cara e duas garotas. O cara sentou ao meu lado enquanto que as duas garotas, uma morena e outra ruiva, sentaram à minha frente. As mesas do restaurante da UFPR são funcionais, coletivas e econômicas, ou seja, não foram projetadas pensando em intimidade, espaço, higiene preventiva, ou qualquer outra banalidade. Posto isso, o leitor terá de convir que não havia nada que eu pudesse fazer para evitar a proximidade daqueles três estranhos e muito menos me resguardar da conversa que tiveram. Inevitavelmente ela caiu em meus ouvidos.

Já saquei logo que elas não estavam a vontade com a presença do cara. Ficavam em conversinhas internas, piadinhas só das duas, citando amigas que só elas conheciam. 

Garotas que acham que por serem garotas podem ser esnobes com garotos só porque eles são garotos não é um treco detestável? Talvez o cara tivesse se escalado para almoçar com elas. Que seja. Isso não diminui o esnobismo delas nem a cretinice.

Enfim, ficaram lá fingindo que o cara não existia e fazendo pouco caso de tudo o que ele falava. Quase que entro na conversa e divido a trincheira com ele só para não deixar um companheiro passar por aquele embaraço. Me contive, é claro.

Aí, subitamente, a morena deixou a conversa interessante.

- Meu vizinho suicidou.
- Nossa! – disse a ruiva como se conhecesse o suicidado desde a quinta série e tivessem namorado por dois anos.
- Pois é – continuou a morena. - Contei isso pra um amigo meu, e aí ele me falou que já tentou suicídio três vezes.
- Nossa! – repetiu a ruiva, demonstrando um vocábulário invejável.
- Três vezes? – se intrometeu o cara. - Ele tá acumulando experiência em suicídios fracassados ou o quê?
Se o cara já tinha minha simpatia a priori, depois dessa meu apreço por ele foi às alturas . Ô presença de espírito!
Não sei se a intenção era só fazer joça inocente ou sacanear as garotas (tipo um troco pelo esnobismo). Seja como for, para surpresa minha, a morena entrou na dele e se saiu ainda melhor no quesito humor negro.
- Sim! Porra, três vezes? É o cúmulo da incompetência não conseguir dar fim na própria vida.
- Nossa! – a ruiva estava inconformada mas não largava mão do nossa.- Eu nunca faria uma coisa dessas. Acho a vida tão bonita.

Parei.

Larguei os talheres, subi o olhar diretamente para a cara da garota ruiva. Eu precisava ver como se parece alguém que acredita, de verdade, que a vida é uma coisa tão bonita. Não tinha nada carimbado na testa, mas era o tipo de rosto que pode, mesmo, achar que a vida á uma coisa tão bonita.

E como é isso? Ela acorda e os Ursinhos Carinhosos vão, um a um, dar um abraço apertado nela? Ou será que depois do trabalho, da aula ou coisa que o valha, ela e todos seus colegas dão as mãos e começam a cantar We are the world, we are the children... ? Sério, como é isso da vida ser tão bonita?

Por sorte, a morena continuou mostrando ter um humor muito refinado – não obstante ela fosse esnobe, claro.

- Pior foi depois. No outro dia uma galera conversava sobre o suicidado e tal, e eu no meio. Aí chegou a hora de ir pro trabalho e eu falei: Bem, já que eu ainda tenho uma vida, vou indo trabalhar! . Gente, todo mundo me olhou com uma cara...

Passei a gostar seriamente da morena. Segurei o riso imaginando uma porção de expressões embasbacadas depois de ouvirem um treco desses.

Não dá pra negar : a morena tinha também uma presença de espírito foda.

Depois o rumo da conversa mudou, meu almoço acabou, então fui embora deixando o cara esnobado com as gurias esnobes.

Mas, caramba, a vida é tão bonita ganhou o dia. 

Sei lá... o pôr-do-sol na praia é clichê, mas é uma coisa bonita. Uma garota usando vestido florido num dia quente de verão é uma coisa bonita. A Scarlett Johansson em Encontros e Desencontros é uma coisa bonita. Mas a vida não!

Mesmo que você esteja assistindo o pôr-do-sol na praia em pleno dia de verão ao lado de uma garota usando um vestido florido, e mesmo que essa garota fosse a Scarlett Johansson, nem assim a vida seria tão bonita -tá, com a Scarlett talvez fosse, mas só talvez.

A questão é que alguns pedacinhos da vida são bonitos, não o conjunto. O conjunto é feio e mau, e ponto final.

Enfim. Acho que sou ranzinza demais. Mas esse treco de a vida ser tão bonita... desperta a ranzinzice de qualquer pessoa com bom senso.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Os primeiros versos

Com uma cerveja na mão esquerda e um punhado de nostalgias na direita, andei por caminhos que há tempos eu não andava. A estrada era de sinuosas curvas e placas um tanto confusas; ora indicavam cidades, ora nomes de colegas do primário. Inspirado pela gelada noite de segunda-feira, fui longe nesse caminho de memórias envoltas em tanta neblina. Lá pelas tantas, sem querer, tropecei num dos ‘primeiros’ da minha vida.

No caso, era a primeira paixão. Mas como é brega demais e clichê em demasia falar da primeira paixão, falo mais do que veio colado nela: os primeiro versos.

Se hoje eu tento com duvidosa determinação e certo fracasso ser um escritor amador, é porque na minha primeira paixão eu inventei que tinha de escrever um verso de amor, os primeiros versos de amor.
Eram versos singelos como a maioria dos corações pré-adolescentes, recheados de implícitos temores e desejos que só são compreensíveis quando se é pré-adolescente. Ninguém mais entende, não adianta insistir.



Aquela garota é tão bela / Que eu até fico louco por ela. / Por ela eu sinto uma paixão, / Pois parei de pensar com o cérebro/ E pensei com o coração. / Não sei ao certo se estou amando, / Mas sei que estou me apaixonando, / E é por você...

Pois é. Eram bobos assim mesmo. Por algum motivo eu ainda me recordo com exatidão das rimas – pobres e previsíveis, mas olhe lá, eram rimas...

Talvez eu me recorde porque ensaiei, metodicamente, quase diariamente, declarar-me com essa mini-poesia.

Declarar... acho que nunca mais usei esse verbo nessa situação desde minha sétima série; dá pra imaginar você, barbado, ‘se declarando’ para alguém? É tipo dizer que você ‘gosta’ da pessoa; você só pode gostar até certa idade, depois o verbo muda. Vai ver verbo também tem pré-adolescencia, se apaixona, se dana, aí vem a adolescencia, se apaixona e se dana de novo, e aí vira adulto pra se apaixonar e se danar novamente... Enfim, a questão é que nesse processo o verbo muda.

Bem, eu ia, mesmo, recitar os versos cara a cara com a garota. Afinal ela era a dona de minhas rimas, de minha inspiração e do meu o afeto desmedido de quem tem só 13 anos. Mas por sorte ter 13 anos implica um monte de coisas; além da inexperiência, da falta de bom senso, e de um certo lirismo já exagerado quando se trata de paixonites, ter 13 anos implicava – para mim ao menos – ser tímido, horrivelmente tímido.

Timidez de corar só de olhar nos olhos da garotinha. Que dizer então dos meus planos românticos de pegar nas mãos dela, encará-la serenamente, fazer uma voz rouca e segura (algo peculiarmente difícil quando se tem 13 anos e tua voz é desesperadamente desafinada ao sabor dos hormônios)? Só em sonhos mesmo.

Então nunca recitei nem me declarei. 

Mas não lamento - e não só pela vergonha poupada. Se eu tivesse me declarado, talvez, vai saber?, eu nunca teria insistido em outros versos nem teria buscado rimas para palavras diferentes. Não que hoje eu faça rimas sensacionais ou capte com maestria os dissabores da alma humana; mas, como dizem os otimistas, uma decepção ensina mais que um sucesso.

Vai ver isso cole também para os nossos eus líricos... Tantos caminhos de tantas placas, em tamanha neblina, devem ir mais longe, e fundo, nas ausências do que nas presenças.

Mas isso já vai além da primeira paixão, dos primeiros versos e muito além da cerveja, que não resta nem um último gole. Só a nostalgia resta. Ah, essa sempre resta.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Ryotiras

Ryotiras tem umas tirinhas realmente legais. Dá pra passar um bom tempo lá se divertindo entre sacadas de humor...


... e leves tiradas filosóficas...


Aprecio bastante esse estilo multiforme do desenhista responsável - não é chato quando tira após tira algo sempre se repete?