Tem dias que são esquisitos.
Pior: a esquisitice começa cedo.
Quando o pé quente, recém saído das cobertas, pousa no chão frio, algo de esquisito já bate dentro da gente. Pior dois: a esquisitice é nossa e de mais ninguém. Sim, pois é só o nosso pé encostando no chão e somos apenas nós que nos sentimos esquisitos depois disso. Logo vem a dúvida cruel, serão os dias esquisitos ou nós que somos esquisitos alguns dias?
Pior: a esquisitice começa cedo.
Quando o pé quente, recém saído das cobertas, pousa no chão frio, algo de esquisito já bate dentro da gente. Pior dois: a esquisitice é nossa e de mais ninguém. Sim, pois é só o nosso pé encostando no chão e somos apenas nós que nos sentimos esquisitos depois disso. Logo vem a dúvida cruel, serão os dias esquisitos ou nós que somos esquisitos alguns dias?
É uma sensação complexa. Confusa e difusa. Parece correr em nossos pensamentos de uma ponta a outra, sejam eles pequenos ou grandes; parece pairar sobre nossas vontades feito uma rígida ditadura da esquisitice, ditando o ritmo (esquisito) da marcha (esquisita) de todas elas. No entanto, não dá para apontar essa sensação e menos ainda detê-la.
Seguem consequências práticas: estudar é complicado; assistir jogo da Copa é chato; comer é só mastigação; e ter que ser apresentável aos outros bons cidadãos torna-se uma parte insustentável duma rotina mais furada do que nunca.
É um sentimento de que algo falta. Uma ausência que desencadeia essa sensação de estranheza. Um descompasso interno, só não se sabe o que descompassou do que. Só se sabe que foi um treco que se iniciou quando alguma coisa – talvez alguém? – faltou. Como eu disse, uma ausência que dá início ao estranho dia. Suspeita-se que o que sumiu foi um ponto-chave, uma engrenagem fundamental tua que, quando retirada do mecanismo, compromete tudo.
Concluímos forçosamente que se é assim, então só podia mesmo ser um dia esquisito.
Mas sei lá. O que poderia estar faltando? Se fosse um objeto real e concreto, apalparíamos os bolsos à procura de uma pista. Revistaríamos a memória com perguntas idiotas do tipo ‘de onde eu acabei de vir, para onde estava indo, o que eu estava fazendo’. Talvez assim uma revelação nos surgisse como presente.
Se fosse real e concreto, vasculharíamos o quarto, depois a sala, então o banheiro e, por último, até dentro da geladeira. Não se sabe o que é que se procura, mas algo está sendo procurado. Sim, pois algo falta, algo está ausente. Está estranho porque algo está ausente. É a engrenagem, o ponto-chave. Sabemos apenas que algo falta. O que era mesmo? Isso não se sabe, mas sente-se que se por acaso o olho bater em cima do objeto certo a gente vai lembrar e soltar cheio de satisfação: achei!
Mas em dias esquisitos do tipo que estou falando, o que falta não é algo concreto nem real. Talvez seja real, mas é o tipo de real que não está no concreto e por isso é tão complicado. Difuso e confuso, eu dizia. Por isso a gente não acha ou encontra, e nem adianta procurar pela casa toda. Já os bolsos parecem pequenos demais para comportar essa anônima falta que deixa o dia tão esquisito.
No fim só resta mesmo ter um dia esquisito. Resignação (mais uma?) sempre vai bem. Mas a gente torce que depois de entrarmos naquele portal chamado cama – que nos leva direto através duma fissura temporal até um outro dia, isso quase que instantaneamente após o fechar dos olhos – as coisas voltem ao normal. E uma hora tem que voltar, é necessário.
É que dias esquisitos são um saco, de verdade.
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