segunda-feira, 14 de junho de 2010

A vida é tão bonita!

Às vezes eu fico escutando o papo dos outros. Mas não é por mal, apenas acontece.

Eu estava almoçando, quase na metade do prato, quando os três chegaram. Um cara e duas garotas. O cara sentou ao meu lado enquanto que as duas garotas, uma morena e outra ruiva, sentaram à minha frente. As mesas do restaurante da UFPR são funcionais, coletivas e econômicas, ou seja, não foram projetadas pensando em intimidade, espaço, higiene preventiva, ou qualquer outra banalidade. Posto isso, o leitor terá de convir que não havia nada que eu pudesse fazer para evitar a proximidade daqueles três estranhos e muito menos me resguardar da conversa que tiveram. Inevitavelmente ela caiu em meus ouvidos.

Já saquei logo que elas não estavam a vontade com a presença do cara. Ficavam em conversinhas internas, piadinhas só das duas, citando amigas que só elas conheciam. 

Garotas que acham que por serem garotas podem ser esnobes com garotos só porque eles são garotos não é um treco detestável? Talvez o cara tivesse se escalado para almoçar com elas. Que seja. Isso não diminui o esnobismo delas nem a cretinice.

Enfim, ficaram lá fingindo que o cara não existia e fazendo pouco caso de tudo o que ele falava. Quase que entro na conversa e divido a trincheira com ele só para não deixar um companheiro passar por aquele embaraço. Me contive, é claro.

Aí, subitamente, a morena deixou a conversa interessante.

- Meu vizinho suicidou.
- Nossa! – disse a ruiva como se conhecesse o suicidado desde a quinta série e tivessem namorado por dois anos.
- Pois é – continuou a morena. - Contei isso pra um amigo meu, e aí ele me falou que já tentou suicídio três vezes.
- Nossa! – repetiu a ruiva, demonstrando um vocábulário invejável.
- Três vezes? – se intrometeu o cara. - Ele tá acumulando experiência em suicídios fracassados ou o quê?
Se o cara já tinha minha simpatia a priori, depois dessa meu apreço por ele foi às alturas . Ô presença de espírito!
Não sei se a intenção era só fazer joça inocente ou sacanear as garotas (tipo um troco pelo esnobismo). Seja como for, para surpresa minha, a morena entrou na dele e se saiu ainda melhor no quesito humor negro.
- Sim! Porra, três vezes? É o cúmulo da incompetência não conseguir dar fim na própria vida.
- Nossa! – a ruiva estava inconformada mas não largava mão do nossa.- Eu nunca faria uma coisa dessas. Acho a vida tão bonita.

Parei.

Larguei os talheres, subi o olhar diretamente para a cara da garota ruiva. Eu precisava ver como se parece alguém que acredita, de verdade, que a vida é uma coisa tão bonita. Não tinha nada carimbado na testa, mas era o tipo de rosto que pode, mesmo, achar que a vida á uma coisa tão bonita.

E como é isso? Ela acorda e os Ursinhos Carinhosos vão, um a um, dar um abraço apertado nela? Ou será que depois do trabalho, da aula ou coisa que o valha, ela e todos seus colegas dão as mãos e começam a cantar We are the world, we are the children... ? Sério, como é isso da vida ser tão bonita?

Por sorte, a morena continuou mostrando ter um humor muito refinado – não obstante ela fosse esnobe, claro.

- Pior foi depois. No outro dia uma galera conversava sobre o suicidado e tal, e eu no meio. Aí chegou a hora de ir pro trabalho e eu falei: Bem, já que eu ainda tenho uma vida, vou indo trabalhar! . Gente, todo mundo me olhou com uma cara...

Passei a gostar seriamente da morena. Segurei o riso imaginando uma porção de expressões embasbacadas depois de ouvirem um treco desses.

Não dá pra negar : a morena tinha também uma presença de espírito foda.

Depois o rumo da conversa mudou, meu almoço acabou, então fui embora deixando o cara esnobado com as gurias esnobes.

Mas, caramba, a vida é tão bonita ganhou o dia. 

Sei lá... o pôr-do-sol na praia é clichê, mas é uma coisa bonita. Uma garota usando vestido florido num dia quente de verão é uma coisa bonita. A Scarlett Johansson em Encontros e Desencontros é uma coisa bonita. Mas a vida não!

Mesmo que você esteja assistindo o pôr-do-sol na praia em pleno dia de verão ao lado de uma garota usando um vestido florido, e mesmo que essa garota fosse a Scarlett Johansson, nem assim a vida seria tão bonita -tá, com a Scarlett talvez fosse, mas só talvez.

A questão é que alguns pedacinhos da vida são bonitos, não o conjunto. O conjunto é feio e mau, e ponto final.

Enfim. Acho que sou ranzinza demais. Mas esse treco de a vida ser tão bonita... desperta a ranzinzice de qualquer pessoa com bom senso.

Um comentário:

  1. Eu costumo gostar de ruivas, mas essa foi triste.
    E não se preocupe, não sou um stalker maluco, só estava procurando contos para ler e achei seu blog.

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