domingo, 19 de dezembro de 2010

Caiu o tempo

Para mim era fim de tarde, mas podia ser o fim de uma porção de coisas. Um fim de tarde no parque que ia bem vazio. Não tão vazio que a parte dos alongamentos e aquecimentos não estivesse com alguém; sabe, aquela parte do parque com barras e suportes para vários tipos de exercícios. Aí havia três pessoas.
Duas garotas de no máximo quinze anos, risonhas como tendem a ser duas garotas de no máximo quinze anos, estavam sentadas nos suportes de um lado. E um velho sentado no outro suporte de outro lado. Não só velho, mas velho maltrapilho. Mendigo na certa.

Sem preconceitos me ponho no meio das garotas e do velho. Os três sentados, eu de pé. Estico ali, estico lá, faço um alongamento. Então, subitamente:

- Caiu o tempo! - diz o velho.

Não só disse como apontou para o chão bem do lado do meu pé.

Procurei com atenção e não vi nada. Nada caído e nada que se parecesse com o tempo caído.

Olhei então para o velho que mantinha um dedo apontando o chão, bem como mantinha firme um olhar que acompanhava a direção do dedo. Um olhar vago, vítreo.

Depois reparei nas meninas e percebi que elas, com um risinho em suspenso nos lábios, aguardavam minha reação.

Constrangido, sem saber o que fazer ali entre o velho do tempo e as garotas do risinho, só pude perguntar:

- Caiu o tempo?

O velho não disse que sim nem que não, apenas abaixou o dedo e levemente balançou a cabeça num sinal afirmativo e pôs-se a olhar, com o mesmo olhar de vidro, lá para um outro lado. Estavam encerradas as explicações.

As meninas riram da piada que era metade o velho e metade eu dando bola para o velho.Sublimei e fui dar minhas voltas no parque. Lá pelas tantas fiquei pensando na coisa do 'caiu o tempo'. Que diabos era isso? Pensei e busquei uma explicação.

Nada. Coisa de louco.

Mas meu olhar, quando se voltou para dentro de mim, topou bem lá no fundo numa porção de curvas de minhas memórias, num lugar cinza em que remorsos e desejos se fundem num abraço de completa solidão para então, e só então, morrerem de uma saudade esquisita.

Pisquei com força, tirei os olhos de mim e joguei-os para fora quase com medo. Talvez a queda do tempo já venha me assolando há muito tempo.

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