terça-feira, 27 de novembro de 2012

Versinhos bobos...


Versinhos bobos dum sonho bobo



Sonhei com você
na hora da manhã,
quando ameaçava
chover e eu tinha,
mesmo sem querer,
que acordar.

O problema é:
sonhei com você.
Eu te pedia e
você ficava;
eu sem medo,
você sem namorado.

E como fazer?
O dia se vai, 
a saudade cresce,
o sonho fica,
mal gostoso que faz.
Você podia voltar.

O que ia esquecido
ainda arde. E
essa mente, besta
e ociosa, sonha
aquilo de que é
tão difícil acordar.

O problema é que
sonhei com você.
Já era de manhã,
estava pra chover,
e você aí, tão distante,
dona do que não sabe ter.

sábado, 24 de novembro de 2012

Show da vida


Teatro lotado, 
plateia besta
e ruidosa, puro
aplauso.

Do palco, num
lapso, ele duvida:
desde quando ser
medíocre é vocação?

Sorri. Agradece.
O faz com pompa. 
Finge orgulho,
sufoca a nostalgia. 

Sabe bem, tem
cravado em si.
O show vai longe,
tão longe, 
bem pra lá do fim.

sábado, 8 de setembro de 2012

A perfeição de cada dia


Uma da verdades do mundo do trabalho é que às vezes é difícil de encará-lo. Algo que vai além da preguiçosa segunda-feira pela manhã e da tarde chuvosa que pede por café e pipoca. É, então, uma dificuldade em assumir que aquilo, aquelas horas todas do seu dia, não são suas. Simples assim.

E para piorar, sempre nos cremos merecedores de mais. Nos deixamos levar pela vaidade de um diploma, dum elogio, duma vocação que um dia alguém, talvez você mesmo, te inventou. O resultado é um comichão incômodo te lembrando dos sonhos de outrora, dos tantos planos, e de que nenhum deles te levava até aqui.

Aí é duro encarar o trabalho; aí bate a inveja de uns poucos sortudos que podem dizer que não estão nos seus trabalhos por dinheiro.

Tenho lá minha fé; não muito aflorada, é verdade, mas um tanto encorajada com certas leituras budistas feitas nestes últimos meses. E numas dessas leituras tropecei aqui:

A atitude yóguica em relação ao trabalho é, pois, aquela de desapego absoluto, de não fazer nenhuma escolha, mas de aceitar e fazer qualquer coisa que lhe seja dada, qualquer coisa que lhe venha no curso normal de sua vida e de fazê-la com máxima perfeição possível. É desta maneira, e apenas assim, que todo trabalho se torna extremamente interessante e toda vida um milagre de deleite.” Nolini Kanta Gupta


Tirando a sempre suspeita resignação oriental típica do budismo, o trecho foi um achado, e permite uma licença de amplo otimismo – o copo pode estar meio cheio, certo?

É incrível como a vida muda quando encarada da perspectiva do 'curso normal', ainda mais se acompanhada duma franca tentativa de 'máxima perfeição possível'. A rotina não é rotina, é oportunidade. Não existe repetição, existe treinamento. E no fim, não há tédio, há aperfeiçoamento.

Se somos todos viajantes por aqui, o melhor pode ser esquecer da chegada e focar-se no trajeto em si. O prazer de viajar. Somente a perfeição(insistente) de cada dia.



domingo, 6 de maio de 2012

Quão grande eles são


São os seus problemas e eles incomodam. Incomodam já ao acordar - e também nas madrugadas adentro. Às vezes você sente que quer chorar, e chora; às vezes tem vontade, mas não consegue. E é tão sufocante, sempre uma abafada tarde de janeiro sem chance de virar um outro dia. E os problemas ali, melados, te pondo em rancor, em contradição, em ritmo de quem passa se arrastando pelo tempo e se pergunta o que é que foi feito daquele mundo de quando se é criança.

Mas você não sabe dos seus problemas. Deles, nem a metade. Sabe que para os vizinhos eles são, no máximo, fofoca, e que para quem não te conhece eles simplesmente não existem? Mas se você sente-os arder tanto! E, de repente, ir conhecendo seus próprios problemas é uma cruzada contra seu próprio orgulho, o deparar-se com simplicidades irredutíveis.

Pessoas dormem, gozam, riem, conjugam tantos verbos nesse milésimo de segundo em que tu sofres - mas e tua dor? Elas também sofrem, mas são surdas para o teu sofrer - e para você é tudo tão ruidoso. No Japão, sob neons frenéticos, uma vida pulsa justamente durantes tuas madrugadas insones, tuas tão bem conhecidas madrugadas despertas. E você que nunca pensou que visto a alguns quilômetros acima daqui nosso planeta é de uma invejável calmaria azul e verde - e onde vê-se aí o que te oprime e faz pensar tanto em tantos fins? Você nunca encarou a possibilidade de um dia todas as luzes se apagarem e os ventos dos séculos transformarem nosso planeja em bola marrom árida, e que então os teus problemas não deixariam aqui um vestígio sequer - sumidos já antes, muito antes, de toda consciência.

Mesmo agora enquanto tuas faces vão úmidas, o passado já corrói tua dor e a dilui num universo silencioso. O sol queima cada passo até seu fim iminente, as estrelam emanam seus distantes brilhos, buracos negros velam infinitos mistérios, e longe, tão longe, um inimaginável olho pode até olhar para teus problemas, mas ele não vê nada além de um brilho no céu que não diz se é estrela, sol, planeta ou mera ilusão de óptica. E agora, sempre corroídos, abraçando mais e mais o passado, teus problemas - fundos, chorados, sem saída, tãos seus! - não ganham senão em efemeridade; isso são os teus problemas.

E se puderes respirar em pleno domínio, subtraindo o orgulho que sentes pela tua dor, tu sentirás um sopro. Encontra aí o fim dessa saudade tresloucada, fecha os olhos para os espelhos dessa ilusão, rasga o que sobrou daquilo tudo que você defendeu com unhas, dentes e bravatas vazias. Apenas sinta o sopro, permita-se tremer com o seu frio.

É a vida em sua inevitabilidade; ela está levando embora aquela abafada tarde de janeiro, e te convida para virar, finalmente, um outro dia. Um dia muito mais leve.


sábado, 31 de março de 2012

Pirulito e as cidades pequenas

Depois de uma semana morando numa cidade de pouco mais de dez mil habitantes – dentre os quais a grande parte vive no campo – a gente se vê às voltas com os inevitáveis clichês sobre as cidades pequenas.

Todos conhecem todos... Todos cumprimentam a todos... A cidade dorme às dez da noite, sem atraso... E as ruas não tem nomes, somente indeléveis pontos de referência: o banco, a praça, a lojinha de fulana, a mercearia de ciclano, etc.

Mas isso, descobri eu, não fala sobre uma cidade pequena. Pelo menos não da essência e da graça das cidades pequenas.

O quê denuncia a cidade pequena em sua essência é um garoto ter um cachorro chamado Pirulito. E Pirulito é amarelo, pequeno, manco da pata direita traseira, e dono de um inflexível rabo em anzol... E tem aquela cara que alterna entre a travessura e culpa.  Praticamente impossível que algum cão nesse universo tenha mais cara de vira-latas do que ele. E Pirulito, apesar de manco, corre todo faceiro e abanante quando o dono dá dois tapinhas na coxa e chama: Vem, Pirulito, vem! E Pirulito vai, de olhinhos felizes e orelhas murchas em contentamento, dono em absoluto da rua sem carros.

Assim descarto todos os clichês sobre cidades pequenas. Fico só com o Pirulito e sua corrida em três patas.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Transitoriedade


Olho para o quarto revirado e o desconforto pulsa. Lá dentro do estômago e subindo para o peito, caminho fundo, visceral.
As roupas ao chão, ordenadas em pilhas. Os calçados dentro de sacolas plásticas. Os livros num outro canto, pois entrarão primeiro para fazer o chão da mala. E ela, a mala, aberta, vazia, apta a receber tudo. O quarto ainda vai cheio, bagunçado, mas quando tudo for para a mala a sensação vai ser pior. Estômago e peito unidos e torcidos.
Restará o desconsolo da cama com lençóis que não vou usar. Travesseiros onde não vou mais encostar a cabeça no ritual de toda noite. O abajur, velho de guerra e de páginas, não mais iluminará minhas leituras.

Tudo agora é um passado recentíssimo. Coisas a serem deixadas para trás.
Respiro fundo. E agora?
Num lapso lembro do budismo que já há um tempo que não leio. Deveria ler mais, censuro-me. Transitoriedade, não é?
Se um cair de folhas de uma árvore é belo, e se isso nada mais é do que o sinal da transitoriedade máxima e inevitável da vida, por que então a minha mudança, também manifestação da transitoriedade, há de ser sofrida?
Respiro de novo, mais fundo, tentando usar aquele canto aqui dentro que ainda vai torcido e repuxado. Lembro de pessoas, de lugares, de hábitos. Estão esvanecendo pelas mãos do amanhã.
Transitoriedade.

E agora, gozado!, na iminência da separação tudo é outra cor. Outro cheiro. Nunca notei como a cortina trespassada pelo sol colore o quarto num laranjado tão confortável. E nem reparara como o armário, já antigo, cheira à infância, bem àquela infância pela qual eu passei. Tudo isso agora é muito mais sentido. Descubro um novo nariz, novos olhos. Se eu tivesse tempo sei que experimentaria um outro mundo, todo inédito. Coisas que eu nunca parara para sentir, não até agora.
Transitoriedade. Tudo é transitório. Efêmero. E não tem aí a sofisticação intelectualoide dum conceito sócio-filosóficos feito o de pós-modernidade. É simplesmente o sentir que o agora já não é mais, e que por muito tempo, com muito esforço, negamos. Nos apegamos, nos aferramos, desejamos mais do que vivemos na tentativa de negar que o agora desmorona inevitavelmente.
Então eu respiro, fundo, um esforço mais suave do que antes. Outro lapso budista. O que me resta é o agora, e aí vai a beleza. Não há mau nisso. Olho em torno e vejo o agora. Isso estou, isso vivo, isso sou. Agora. E tudo é mais palatável, sem puxões ou desconfortos. É só o meu agora, intenso e vivo, caminhando para frente. Girando com o mundo, expandindo com o universo. Ele faz parte daquele brilho que cruza o espaço até olhos que não sabemos se nos observam ou não.

Respiro, nem fundo nem raso. Só respiro. Vou até a janela do quarto e sinto que está ventando. O vento leva algumas folhas avulsas – anotações de coisas a levar, coisas a serem feitas antes de partir. E não importa.
Olho o quarto, a mala aberta, os pertences a serem removidos. Não vejo mais bagunça. É só a mais natural e absoluta ordem de ser das coisas: vejo mudança.  

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Vírus da boa gripe

Um concurso público me levou a ler Relações Humanas na família e no trabalho, do psicólogo francês Pierre Weil - sim, o dono daquele outro best seller da psicologia, O Corpo Fala

Versa sobre motivação, liderança, conflitos, etc, e o faz de forma extremamente didática, suave,  e com uma agradável média de duas figuras por página - daí a surpresa em vê-lo como bibliografia sugerida do tal concurso. 

Enfim. Lá pelas tantas o livro vem com essa:

"(...)fenômeno que foi descoberto há uns dez anos pelos psicólogos sociais. Estes notaram que quando uma pessoa diz um desaforo a outra, e esta pessoa, por razões diversas, não retruca com desaforo idêntico, ela fica guardando isto dentro de si, quer dizer, fica num estado de tensão tal que, na primeira oportunidade, terá de desabafar, de descarregar esta mesma tensão contra outra pessoa(...) Este estado de tensão se transmite, então, de pessoa a pessoa como se fosse o vírus da gripe."

Um fato sobre o qual todos podemos dar testemunhos pessoais quanto a sua existência, e sem para isso dispender lá muito esforço numa autoanálise... Mas e o contrário? E se o vírus dessa gripe tivesse outra carga?

O Dharmalog trouxe ontem um clipe-campanha cogitando essa outra carga e sugerindo, por que não?, que ela também é bem possível de tornar-se fato. É de assistir, refletir e ficar com um sorrisinho bobo na cara.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Casamento gay

Saiu na Folha.com: Casamento gay ameaça a humanidade, diz o papa.

E o medo da concorrência, hein?

Digo isso como uma piada, claro.

Afinal, qualquer senso minimamente desprovido de retrógrados preconceitos admite que não são os casais só de joãozinhos ou só de mariazinhas que corromperão a humanidade – o mesmo, porém, se dito da Igreja, exige desconfiança, e a História tem muito a falar sobre.