terça-feira, 28 de junho de 2016

Ex Machina - Instinto Artificial (2015)

Em um refúgio nas montanhas de um talentoso bilionário da internet, um jovem participa de uma estranha experiência: testar a inteligência artificial, inserida no corpo de uma bela garota robô. Mas a experiência se torna uma sinistra batalha psicológica: um triângulo amoroso, onde a lealdade está dividida entre homem e máquina.

Eis a sinopse de Ex Machina - Instinto Artificialfilme de ficção científica lançado em 2015 e que forçou muitos fãs do gênero a irem até o cinema mais próximo. 


Odiado por uns, elevado a instantânea posição de clássico por outros, fica a pergunta: vale a pena assistir Ex Machina - Instinto Artificial?

A bem da verdade, é que o filme começa com uma provocação já bem batida e que por isso parece não prometer muito: a inteligência artificial é possível? Ora, essa pergunta é feita há décadas por várias histórias de ficção científica, seja de forma mais direta ou menos direta. 

E o pior, esse início nos dá a entender que o filme vai naufragar no mar onde muitas ficções científicas já naufragaram mortalmente: no terrível Mar das Conversas Filosófico-Científicas Incompreensíveis (sabe como é, aquele tipo de diálogos que só o autor e um seleto grupo de intelectuais/especialistas conseguem, talvez, realmente entender o sentido).  

O robô, o homem e a inteligência: quais os limites?
Mas aí, para nossa agradável surpresa, o filme mostra-se absolutamente compreensível! E melhorando ainda mais a surpresa, o enredo faz um trabalho criativo e intenso partindo da pergunta 'a inteligência artificial é possível?', e tanto que até esquecemos o quão batida é essa problematização. 

O charme especial de Ex Machina é que ele é um baita suspense. O filme cria uma atmosfera de isolamento, mistérios e dúvidas que causa uma perturbadora sensação sufoco no espectador. Não, não é um filme de sustos, mas um filme de soco no estômago, daquele desconforto de assistir a uma tragédia que se anuncia aos poucos em cada diálogo, em cada cena escura com seus personagens soturnos. 

Para alguns, o final é um tanto previsível. Porém, aqui também o suspense é a grande marca distintiva e salvadora. O desfecho é rápido, não deixa brecha para interpretações dúbias e acontece elevando nossos níveis de tensão e agonia ao máximo

Você, um cientista excêntrico e um robô humanoide... no meio do nada. 
Relaxante?
Mas o mérito maior de Ex Machina - Instinto Artificial é que ele o que uma ficção científica tem que ser, ou seja, uma ficção científica! Apesar de flertar com o drama e o com o suspense, a todo momento um questionamento inteligente, provocante e atual está sendo feito (um dos efeitos do filme é ficar com um certo medo do Google). Isto é, o filme nos leva a pensar sobre ciência e humanidade e aonde essas coisas vão parar com os progressivos avanços da inteligência artificial. 

Além disso, traz outra marca característica das boas ficções científicas, que é nos fazer pensar em futuros utópicos (ou, nesse caso, distópicos?), problemas éticos e em quebra de paradigmas. Quanto a estes últimos, me remeto à crítica do Cesar Castanha, no Cineplayers, que destacou o rico diálogo do filme com a questão do patriarcado. 

É, pois, um filme que vale ser assistido, e isso independentemente de você gostar ou não do gênero ficção científica. Na verdade, seu ritmo de suspense envolve a qualquer um, e a experiência do filme é um tanto única (os créditos aparecem e você fica lá, no sofá, com um nó estranho no estômago e na cabeça). 

Definitivamente, não é um filme pelo qual passamos indiferentes. 

terça-feira, 21 de junho de 2016

Jogador nº 1 - Ernest Cline

Cinco estranhos e uma coisa em comum: a caça ao tesouro. Achar as pistas nesta guerra definirá o destino da humanidade. Em um futuro não muito distante, as pessoas abriram mão da vida real para viver em uma plataforma chamada Oasis. Neste mundo distópico, pistas são deixadas pelo criador do programa e quem achá-las herdará toda a sua fortuna. Como a maior parte da humanidade, o jovem Wade Watts escapa de sua miséria em Oasis. Mas ter achado a primeira pista para o tesouro deixou sua vida bastante complicada. De repente, parece que o mundo inteiro acompanha seus passos, e outros competidores se juntam à caçada. Só ele sabe onde encontrar as outras pistas: filmes, séries e músicas de uma época que o mundo era um bom lugar para viver. Para Wade, o que resta é vencer – pois esta é a única chance de sobrevivência.


Eis a sinopse de Jogador Número 1, livro de 2011 escrito pelo americano Ernest Cline e que, conforme planos (tomara!), pode virar filme pela mãos de Steven Spielberg. 




Resumidamente, o livro tem um enredo que mistura jogos, ficção científica e pequenos dramas de adolescente. A escrita, por sua vez, é rápida, em ritmo de aventura e moderna, fluindo tão bem que é difícil sentir-se entediado. Ok, mas e isso justifica a leitura? 

Quer dizer, vale a pena ler Jogador Nº 1?


A história é uma grande e divertida homenagem à cultura nerd. Jogos, filmes, animes e músicas, tudo isso agradavelmente misturado num um prato cheio de referências que vai te levar a alguns gigas de downloads - separe papel e caneta para anotar todas as referências, sério.


Mas o livro não é apenas uma masturbação aos nerds de plantão. De maneira sutil e leve, a trama trabalha questões que estão na ordem dos nossos dias, como a privacidade na internet, o poder das grandes empresas e o comportamento potencialmente problemático e isolacionista das pessoas quando imersas num mundo de amplo acesso à internet e seus mundos online (quem nunca deu uma escapada da realidade através dos MMORPG's da vida, né?).

Acredito que aí está um grande mérito do livro: pontua questões muito complicadas, mas sem sacrificar a diversão da leitura, que é sempre envolvente e movimentada.


Arte conceitual do futuro em Jogador Nº 1



É também nessa toada que o livro faz por merecer o rótulo de ficção científica. Seu cenário é futurista e apocalíptico, no melhor estilo distópico. Fome mundial, clima zoado, economias desestabilizadas, a pobreza que se alastra feito um câncer, as pessoas que preferem fugir para um mundo de fantasia em vez de consertar o mundo concreto. O autor conseguiu pegar aquela grande homenagem ao universo nerd e colocá-la dentro de um contexto apocalíptico muito bacana e razoavelmente crítico.


Contudo, o livro tem um pequeno problema: ele é voltado a um público bem determinado.

Outra arte conceitual, e referência ao clássico dos arcades, Joust.

A começar com o fato de que ele gira muito em torno da cultura pop/nerd dos anos 80. Isto é, o livro tem um apelo imediato à galerinha que nasceu nessa década - os rebentos do final dos anos 90 e início dos 2000 podem não pegar o feeling nostálgico de todas as referências feitas em Jogador Nº 1. Jogos antigos e bandas que marcaram a década são citados a todo instante. 



E além do corte de idade, há outro corte que limita o público: é um livro para nerds. É, se você não for minimamente nerd, você vai boiar e deixar passar o feeling não apenas nostálgico como também experimental - do tipo 'ei, eu sei do que esse cara tá falando porque eu já passei por isso!'. Quer dizer, se você não for minimamente nerd, você perde as referências e vai te faltar uma, digamos, sensibilidade para com a história e seu protagonista. 


Afinal, como entender a paixão intensa que o protagonista nutre por uma garota que nunca viu pessoalmente? Como compreender sua profunda amizade com pessoas com quem nunca conversou cara a cara? São coisas que um leitor não-nerd pode deixar passar batido, assim como a empolgação pelas partes de ação do livro, que só quem já se envolveu em épicas batalhas nos MMORPGs da vida vai conseguir captar integralmente - spoiler irrelevante: só um nerd para sentir a emoção de uma batalha que junta todos os grandes mechas de animes e tokusatsus.


O autor até se preocupa em explicar o básico do universo nerd oitentista cibernético. Acertadamente, ele define bem e explica muitas das coisas citadas, e faz isso com leveza, tipo um ensinar sem dar bandeira. No entanto, é flagrante que o grande charme do livro é a maneira como consegue incorporar numa história vários elementos nerds, e para curtir isso 100% só mesmo quem já tem uma longa convivência com aquele universo oitentista cibernético. 


Enfim, é um livro para nerds, talvez até mais do que para fãs de ficção científica. E especialmente para nerds da velha escola, que sabem quão sobre-humano é tentar zerar com uma só ficha um game de arcade.



Sim, vale à pena ler Jogador Nº 1Aliás, se você tiver um amigo nerd aí na casa dos 25-35 anos, acredite, com esse livro é difícil errar o presente. Contudo, é preciso estar ciente de que a degustação da obra é maior quanto mais desenvolvido for o lado nerd do leitor.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

No Limite do Amanhã (2014)



Quando a Terra é tomada por alienígenas, Bill Cage (Tom Cruise), relações públicas das Forças Armadas dos Estados Unidos, é obrigado a ir para a linha de frente no dia do confronto final. Inexplicavelmente ele acaba preso no tempo, condenado a reviver esta data repetidamente. A cada morte e renascimento, Cage avança e, antecipando os acontecimentos, tem a chance de mudar o curso da batalha com o apoio da guerreira Rita Vrataski (Emily Blunt).

Esse é o resuminho de No Limite do Amanhã, filme lançado em 2014 e que apela para a clássica dobradinha: ficção científica e ação. 




A inspiração veio de uma light novel japonesa (tipo um mangá) chamada All you need is Kill, que, inclusive, tem publicação no Brasil pela JBC (confira aqui um pedacinho grátis do mangá).


Ok, mas e o filme, vale a pena assistir No Limite do Amanhã?

Bem, a ideia central do filme é ótima... mas absolutamente velha e batida. 

Na verdade, a ideia central já é quase um clichê do cinema. É tanto filme (de ação, de drama, de comédia) com a coisa do dia que se repete que qualquer filme que reaproveite essa fórmula precisa ter algo novo a oferecer, tipo uma carta na manga. E No Limite do Amanhã não tem essa carta não. 
Acordando no mesmo dia de novo, de novo e de novo... mas, de novo isso?
E o filme falha não apenas no repeteco não-criativo de um clichê, como também na sua própria construção. Alguns diálogos e situações tem problemas ou são forçados, como se o argumento principal fosse um quadrado tentando ser encaixado num recipiente menor e redondo.

Isso ficar perturbadoramente notável quando o filme tenta explicar a razão do loop temporal vivido pelo protagonista. É um diálogo tão primário que mais um pouco apareceria uma legenda dizendo 'se liga aí espectador que aqui tá o que você precisa saber'. 

O pior, no entanto, é que o filme não consegue explicar tudo, e o que não é explicado é enterrado em uma sucinta desculpinha evasiva - parece que os roteiristas ou estavam sem tempo para mais explicações ou simplesmente estavam sem paciência. 

Convenhamos que esses tipos de falhas são imperdoáveis em uma ficção científica. 

Todo filme de ficção científica que se preze precisa arranjar um jeito inteligente e suave de explicar as coisas, ou então achar um jeito legítimo de ignorar as coisas que não consegue explicar... mas No Limite do Amanhã não faz isso bem.

É um filme chato?

Não, longe disso. Na verdade, é até gostoso de assistir.

As cenas de ação são bacanas e Emily Blunt casou bem no papel e na parceria com Tom Cruise. Este, por sua vez, repete lá suas caras e bocas de todo filme, mas é preciso admitir que elas geralmente dão certo e portanto o ator também ficou bem no papel. E o ritmo da história, apesar de se basear na repetição de muitos elementos (mesmos personagens, mesmos acontecimentos, mesmos diálogos), consegue se manter bem agradável e pouco entediante. 


Espectadores ocasionais e fãs de ficção científica terão, pelo menos, um entretenimento mínimo. Mas para espectadores mais exigentes o filme pode decepcionar um bom tanto. Vale sim assistir, mas sem muitas pretensões. 

terça-feira, 7 de junho de 2016

Knights of Sidonia (2014)

Já há mil anos desde que Gauna, uma estranha raça alienígena sem um modo conhecido de comunicação, destruiu o sistema solar. Uma porção da humanidade conseguiu fugir usando enormes "naves-semente" como o Sidonia, que permitiram manter a população salva no espaço. Nagate Tanizake é um jovem que cresceu nos porões dessa nave. Quando ele começa a treinar para pilotar enormes robôs conhecidos como Gardes, Nagate é instruído a pilotar uma unidade lendária chamada Tsugumori. Nagate e seus companheiros colocam suas vidas contra os Gauna, em uma batalha pela sobrevivência da humanidade!

E é essa a descrição de Knights of Sidonia, o primeiro anime exclusivo da Netflix, e que como tantos outros animes é baseado em um mangá. 



Encantado pela descrição, qualquer amante da ficção científica sente-se tentado a assistir - robôs, espaço, raça alienígena, a humanidade em xeque-mate... precisa mais do que isso?

Tá certo, mas e vale a pena assistir Knights of Sidonia?

Talvez você seja mais ou menos como eu: tenha aí seus quase 30 anos, não assistiu a muitos animes nessa vida louca mas já assistiu aos clássicos elementares. E se for como eu, você provavelmente vai se decepcionar com Knights of Sidonia.

Na verdade, ele até poderia ter sido um ótimo anime, porém acovardou-se e se contentou em ser apenas bom (ou quase bom, a depender do seu humor e paciência).


Seu começo é bem bacana. A raça humana à deriva no espaço, criaturas misteriosas e com motivação desconhecida, adolescentes que pilotam grandes robôs... Dá ares de um repeteco malandro dum Evangelion da vida, mas ainda assim a história convence e agrada. Mérito em particular para alguns detalhes, como a inventiva arquitetura da nave onde vivem os humanos ou então o lance deles agora realizarem fotossíntese - como sabemos, são pequenos detalhes assim que envolvem a gente e tornam as ficções científicas mais críveis.


É um anime com ritmo de ação e portanto precisava de batalhas bem feitas, e nisso o anime não deixa a desejar. A movimentação de ataque, defesa e esquiva são detalhados e realmente percebemos uma luta acontecendo, muito graças a ótima qualidade da animação. Assim, os embates entre robôs e os gaunas, os vilões da história, conseguem sim causar empolgação, criar clímax e divertir o espectador. 




Só que o primeiro problema do anime acontece aí: parece que decidiram colocar tanto capricho nas lutas, que quando chegou na hora do design dos personagens e robôs o estoque de capricho já estava lá embaixo e então empurraram tudo com a barriga. 


O resultado são personagens muito, mas muito semelhantes. Dá a impressão de terem usado um desses criadores de avatar eletrônicos e randômicos em que você escolhe entre uma combinação do tipo de olhos, cabelo e formato do rosto, e aí, no segundo avatar você só altera o tipo de olho; no terceiro, só o formato do rosto; no quarto, só a cor do cabelo... E por aí vai, com mudanças preguiçosamente sutis e dentro de um limitado repertório de opções. 


Já os robôs, para frustração dos fãs de mecha mais detalhistasé a produção em larga escala de um único modelo. 


Mas o grande problema do anime, o seu colossal deslize que o fez ser um bom anime de ficção científica - e não um ótimo anime de ficção científica-, foi a virada para a segunda temporada. 

Lá na primeira, o anime começou dando a entender que seria mais, digamos, adulto.

Crueldade, brutalidade, cenas gore, adolescentes morrendo feito moscas e uma trama cheia de mistérios e pré-explicações que insinuavam futuras revelações duma história cheia de complexidades filosóficas - de novo, meio que um repeteco malandro de Evangelion, mas digno porque pegaria dele as suas qualidades.

Primeira temporada: sombras e mistérios.


Parecia, enfim, que Knights of Sidonia seria um anime com personalidade e distinção...

Só que não. A segunda temporada foi a invocação de tudo o que há de clichê num anime.

Ok, vá lá. É preciso considerar que por ser o primeiro anime exclusivo da Netflix foi preciso trazer algo mais ao sabor comum, sem muitas peripécias ou revoluções em termos de animação japonesa. Afinal, se trouxesse algo todo diferentão poderia ser um fracasso ou mesmo não atrair o público de nicho que os animes costumam atrair.

Mas, gente, é muito clichê num anime só - e o pior, justo quando a primeira temporada prometia algo bem diferente.  
Segunda temporada: garotas nuas.


Cenas semi-hentai, triângulos amorosos, comédia romântica, e fillers, muitos fillers (quase os 5 minutos que Namekusei levou para explodir).  

Aí que enquanto coisas muito interessantes aconteciam, os episódios passaram a se focar não nessas coisas interessantes, mas em fazer o protagonista pegar um peito aqui, ver um nude ali, ou dar de cara numa bunda acolá. 


Até mesmo o romance que surge ficou parecendo uma grande enrolação para não ter que explicar as coisas relevantes - talvez uma tentativa de pescar o espectador para uma terceira temporada.



Simplificando a pequena tragédia: a primeira temporada prometeu, só que a segunda deu pra trás vergonhosamente.

Se você é aficionado por de ficção científica e robôs, sim, vale assistir Knights of Sidonia. A história tem seus lampejos de criatividade e o anime em si é bem produzido, contando com boas músicas e belas imagens.  

Entretanto, está longe de ser um anime que agrada quem quer uma história mais robusta ou mais original. A verdade frustrante é que o anime fica perigosamente próximo das comédias românticas, e uma daquelas que otakus mais antigos podem estar já meio saturados: o velhão estilo do protagonista tapado e o seu harém de belas garotas.