domingo, 30 de maio de 2010

Desenhos antigos e propaganda

A internet é amiga de todo o tipo de procrastinação. Na facilidade dos links a gente perde fácil uma tarde toda, e daí que dar aquela pausa só para checar os e-mails é sempre uma tarefa arriscada: será que eu volto? Estudos, trabalho, até namoro; tudo vai pelo ralo das infinitas possibilidades virtuais.

No duro. E deve existir até algum inútil estudo sobre pessoas que vão checar seus e-mails e acabam abduzidas porque clicaram para ler a notícia X, aí foram pesquisar o que era a coisa Y citada na notícia, e portanto caíram num site Z muito legal que tinha N coisas.

Enfim, nessa espiral de portas que só levam a outras portas, acabei parando no MOB Magazine e encontrei uma lista de desenhos antigos da Walt Disney que serviram de propagandas escancaradas – hoje, para nosso alívio, é tudo mais camufladinho.

Aliás, descobri nisso que nos tempos das pedras já existia indústria de cigarros e que os preferidos de Barney e Fred eram os cigarros Winston. Pois é.

Mas os melhores desenhos são aqueles de meados de 1940. Propaganda de guerra muito barata, direta para os olhinhos redondos e infantes de uma geração de sobrinhos do Tio Sam. E o mais irônico é que os próprios desenhos norte-americanos criticando a Alemanha Nazista acabavam caindo na sua própria crítica. Caso do clássico ‘o sujo falando do mal lavado’.

Acho que é até mais do que isso. Assistir Pato Donald e outros satirizando um país - que não os EUA - sustentado numa indústria bélica, condenando um país guiado por políticas militares agressivas, culpando por fim a ideologia pré-formatada e alienante de uma nação, é uma grande piada pronta nos dias de hoje. Só colava mesmo nos anos 40.Dar uma olhada vale os minutos perdidos e compensa a procrastinação - palavra legal, não?















PS: no desenho do Donald aquele relógio sussurrando Heil Hitler, Heil Hitler é totalmente macabro!

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Pegadinha do Malandro

A janelinha do MSN me informava que um alguém queria me adicionar aos seus contatos.

Eu nunca tinha visto aquele e-mail postulante e sequer me despertou qualquer idéia vaga de quem poderia ser. Numa situação dessas a maioria das pessoas recusaria a solicitação. Porém eu, crente na bondade humana, cego à malícia latente em tudo, aceitei de bom grado mesmo sem saber quem era.

Adicionei e esperei um pouco. Passou uma hora, duas, chegou a madrugada e nada do tal adicionado vir falar comigo, mesmo ele estando on-line esse tempo todo. E aí que tudo o que eu sabia era o que eu via na minha lista de contatos: uma misteriosa sigla JP acompanhada da foto de um bebê sorridente com bochechas rosadas – foto simpática, admito. Tirando isso, não sabia mais nada.

E aquela sigla JP foi atiçando a minha imaginação: quem poderia ser? Certamente é alguma Juliana P-alguma-coisa, linda e maravilhosa, que minha memória havia perdido nesses anos de joguinhos virtuais e inúteis leituras da faculdade (típica fantasia masculina inocente e nerd).

Pois é, ilusão é doce e alimenta a alma.

Eu já queria ir dormir, mas não ia conseguir sem antes matar a curiosidade. Determinado, abro a janela da JP e mando um oi. E então aconteceu.

Subitamente, antes de qualquer resposta, a foto do bebê deu lugar a uma outra foto... a parte de uma barriga morena – da cor do pecado, diria a música -, toda sarada em gomos e saliências, que terminava exatamente onde começava uma cueca Calvin Klein branca. Cueca essa muito – repito, muito! – colada lá nas partes íntimas do cidadão.

Foi terrível. Só não foi pior porque as fotinhas do MSN são pequenas e por isso me foram poupados maiores detalhes visuais. Posto que gosto de meninas e não de meninos, fechei na hora a janela do JP. Mas poxa, pegadinha do Malandro rolando até no MSN é sacanagem. É mais do que sacanagem: o cara usava foto de bebê para despistar. E em pleno sábado a noite.

Como já sabia o saudoso Joseph Climber, a vida é mesmo uma caixinha de surpresas – e algumas usam até cueca Calvin Klein.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mudança

E aí que agora é maio e o outono já tá pra lá da metade.

Nessa estação o clima é mais seco, dizem. Só quem não diz é o Outono, que continua chovendo. Se não é chuva é aquela quase-chuva, e os para-brisas dos carros ficam horas e horas cobertos com gotinhas minúsculas, num lento revezar-se de evaporação.

E aí que as chuvas nem pararam e já sou saudade. É a despedida que se anuncia.

Pois vai vir junho trazendo, colado, o inverno. Devo de tomar um café quente decidindo o que dá para deixar de fora da mudança e o que é imprescindível. Talvez faça uma lista. E nesse junho além do frio tem ainda a Copa. Então vou deixar a TV ligada num jogo enquanto junto as minhas coisas. Dar uma espiadela tentando encontrar uma seleção divertida para se torcer, enquanto penso como levar um mundo de quase cinco anos na bagagem

E se o zíper não fechar? Não dá pra levar esse mundo velho lá pra vida nova?

E aí que nem sei que vida nova é essa.

Mas sei que indo estarei pensando em voltar. Ou só ficar, pronto. E vai rolar a dúvida se peço desculpas pelos erros ou só digo adeus todo orgulhoso. Hesitar entre seguir partindo ou parar e tentar de novo. Coisas assim.

E aí que a vida vai acontecer sem freios, seja nova ou instantaneamente velha, seja indo ou recomeçando.
É só passar maio, cruzar junho e experimentar o inverno. A vida nova vai chegar abrindo um novo mundo. Se fosse poeta de verdade fazia poesia sobre o desconhecido. Como não sou, só adianto a saudade que terei desse velho mundo que temo, mesmo, não caber todo dentro da mala.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Uma garota na lanchonete

Ela entra e a lanchonete inteira pára. Olhos se voltam, cabeças entortam, devaneios correm soltos. Vultos a dissecam, ela sente, sabe que é deflorada bem ali, instantaneamente, sobre a mesa suja de gordura e refrigerante. Hesita e não sabe se tem coragem de olhar em volta. Duvida conseguir encarar todos que a violam com a arrogancia de um desejo. Pede um café, senta numa mesa ao canto e tenta ignorar a viscosidade que vem pelo ar grudar em sua pele. Se fecha, se cala.


Mas não adianta, é inevitável. Vai sendo roubada aos poucos, primeiro sua carne e depois sua humanidade. Quanto mais a olham, observam, cobiçam, mais ela desaparece; cada fantasia que fomenta a priva de ser o que é; tanto mais desnuda a desenham mais a apagam. Porque ninguém vê nada além da sua superfície. Nenhum deles imagina que ela pode imaginar. Ninguém sabe da profundeza abissal que existe indo além do tecido vivo nem da esperança morrendo diariamente atrás do seio. E o labirinto de uma saudade difusa ainda fica lá dentro, bem fundo e frio, incólume, a salvo de qualquer poder de alcance daqueles homens obscenos, e a garota sabe que permanecerá assim, perdida dentro destes caminhos sem saída por muito e muito tempo.


Sem querer resvala para dentro dos olhos de um daqueles vultos, vê seu próprio reflexo sujo em um rosto suado que se repete em todos os cantos. Ela pensa que deveria deixar claro que não precisa daqueles rostos, talvez gritar o nojo dos corpos pesados demais, bradar raivosa que não quer um amor nem um sexo. Então sussurrar numa poesia que já tem alguém que mesmo longe e mesmo tendo ido para nunca mais voltar, esse alguém é dela e isso basta. Não precisa de nada, não precisa deles. Quem é dela e já partiu eternamente não a apaga nem a deflora; quem é dela vai além da pele e intensifica a fé. Quem é dela aceitou pegar o caderno em branco e há tempos escreve aquela história em que ela, a garota, é a heroína do papel principal. Não, não vai voltar, mas a presença de uma ausência como aquela vai mais fundo do que qualquer homem experimentado em desespero pode ir.

Termina seu café e levanta afobada. Quer sair, escapar, evitar a tragédia cotidiana em que se perde novamente. Pretende voltar ainda humana para casa. Ela já tentou, tentou demais, e não pode deixar escapar a vontade de tentar. Precisa sair, fugir, evitar a tragédia sem fim de ser sequestrada de novo, tirada de si mesma por todos aqueles olhares. Voltar para casa e sonhar seus sonhos com a liberdade de quem pode sonhar, neles lembrar daquele alguém que foi embora levando um mundo de coisas e mesmo assim não vai regressar. Não, ele não vai voltar, mas precisa mante-lo; é o que restou, é o que ainda conforta.Paga o café com algumas moedas. Se ilude pensando naquelas moedas como elos de um tempo pretérito, testemunhas de quando ela vestia uniforme de criança toda manhã e pensava no futuro. Sente uma vontade já bem conhecida de voltar ao passado, mesmo que fosse através daquelas moedas de metal escurecido. Um passado sem aqueles vultos sedentos que já começam a habitar seu interior. Mas é besteira, ela sabe que nada volta. Por isso, antes de sair dali, ainda sorri tristemente, lábios servindo só de moldura para o arder daquela melancolia que há tempos a persegue.

Mas nem isso conseguiram enxergar os olhos que a devastavam; ocupados demais em deflorá-la ali mesmo, viram pouco e o que viram não entenderam. Onde tinha solidão enxergaram meiguice de menina. A possuíram, a roubaram, a consumiram, tiraram tudo que puderam de sua humanidade; a chamaram de anjo sem saber que anjos não tem sexo.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quando os chás funcionavam

Uma garganta ferrada. Esse foi o resultado de um encontro com antigos amigos em uma gelada noite de segunda-feira.

Parece até que enquanto eu dormia alguém colocou uma lixa bem ali onde a língua acaba – ou será que começa? – deixando difícil engolir, falar ou tossir, e desde segunda essa lixa foi ficando mais e mais áspera.

Nessas horas é que a gente lembra dos milagrosos chás. Aqueles que as mães e as avós faziam quando éramos pequenos. Aqueles terríveis de gosto, que exigiam que tampássemos o nariz para conseguir mandar o treco goela abaixo. Em suma, aqueles chás que a ciência ortodoxa nega qualquer poder curativo e que nenhum médico fica a vontade para recomendar enquanto remédio, mas que nossas mães e avós sabiam bem que não tinha gripe, resfriado ou garganta inflamada que resistisse a eles.

Efeito placebo? Talvez. E funciona? Funciona. Bem, pelo menos funcionava. Por isso que eu taquei um monte de coisas fedidas na panela e mandei ver no fogo.

A receita básica é alho e limão. Há quem coloque apenas a casca do limão para ferver com o alho, e só depois de fervido acrescenta o suco do limão. Há quem adicione mel também. Mas lá em casa, herdeira da sabedoria terapeutica das mulheres da minha família, minha mãe ainda acrescentava, além desses três ingredientes, um outro. A cebola. Desconfio que fosse apenas para dar um gostinho mais saboroso.


E assim fiz. Dá-lhe alho, limão, mel e cebola. Tudo fervido. A aparência do líquido não é das melhores e o cheiro nem de longe te anima. A imagem ao lado é só pra fazer de conta mesmo. Mas aí a lixa na garganta incomoda e a gente pensa que deve valer a pena. Funcionava quando eu era pequeno, então que seja. Mandei pra dentro. Duas xícaras de manhã, mais duas a noite.

Só que nada da garganta melhorar. Tomei mais, acrescentei gengibre que, dizem, cura tudo, inclusive garganta. E nada. Nada a não ser o hálito que, céus, nem eu não conseguia aguentar – e olha que a recomendação é você tomar isso tudo já deitado na cama depois de já ter escovado os dentes.

Enfim, a questão é que o chá não funcionou. Vai ver os médicos tem razão e tudo isso seja mais simpatia do que ciência. Ou, sei lá, vai ver me tornei cético e aí nem efeito placebo acontece. Ou então já tomei tanta porcaria quimica que nenhuma raiz, folha ou casca pode ajudar. Não sei.

Mas sinto que algo mudou desde aquele tempo em que eu ficava de molho em casa assistindo desenhos animados e tomando aquele chá terrível, certo de que no dia seguinte eu já estaria de pé para ir para escola. Sim, pois o chá era tiro e queda.

Acho que a gente cresce e as receitas caseiras param de funcionar, e tenho a impressão de que isso tem algo a ver com as aulas de ciência. O que é uma pena, pela garganta e pela minha mãe, que certa da eficácia dessa receita que já curou gerações, vai me acusar de ter errado nos ingredientes.

Fazer o que... O jeito é comprar daquelas pastilhas anti-tudo na farmácia mais próxima.

domingo, 2 de maio de 2010

Elvis não morreu!

Elvis não morreu!

Sábado a noite dois caras vestidos de Elvis – Friends ForElvis - mandaram ver no Chaplin Snooker Bar, o último recanto noturno em Campo Mourão que ainda preza por música de qualidade e evita cair na mesmice das duplas sertanejas.

Os dois caras não estavam sozinhos. Contavam com uma banda fodástica - banda Power Tripa - que ajudava a recriar hoje toda a transgressão que foi o rock dos anos 60.

E, verdade seja dita, o ambiente era perfeito para um Elvis Cover. O Chaplin Bar é bar mesmo; balcão grande e comprido, mesinhas simples de quatro bancos baixos, um palco espremido contra a quina de duas paredes, e uma porção de mesas de sinuca – snooker, que seja.

O público também era notável e particularmente conivente com o ambiente elvístico que se estabeleceu. Para ser ter uma idéia, eu com meus 23 anos era um concorrente sério a ser o mais novo do lugar. Metade das pessoas que lá estavam tinham a idade que os legitimava a requebrar no Jailhouse Rock com toda a propriedade de quem certamente já dançou isso quando o Rei ainda era vivo - ou de quando se contava, tristemente, os primeiros cinco ou dez anos sem ele.

Mas o ponto principal é que Elvis não morreu.

Nas Ciências Sociais tem-se por clássico aqueles autores que sempre são boas fontes para se beber de possíveis interpretações da realidade atual; em suma, autores quase atemporais, pensadores de idéias com uma validade que cruza as décadas e os contextos. Talvez, no mundo da música, um clássico tenha definição parecida e derivada: aquilo que junta num mesmo lugar várias gerações e embala a todas num ritmo só.

E por isso Elvis é clássico, por isso ele não morreu.

Não só os cinquentões curtiram adoidados. Os mais novos – eu como testemunha viva – também. Os de quarenta, os de trinta, os de vinte anos, todos incondicionalmente rendidos aquelas músicas que arrepiam até a barba do rosto, parte pela melodia, parte pela voz inconfundível que o cover conseguia trazer de forma louvável.

Em tempo e em destaque:

Um rapaz e uma garota, deviam ter também uns vinte e poucos anos; ela com uma maquiagem pesando sobre os olhos, maquiagem preta como o vestido, a luva, a bota cano alto e a meia-calça, daquele jeito gótico; ele, o rapaz, lembrava seriamente Kurt Cobain em todo seu ar grunge de calça jeans desbotada, all-star rasgado, camiseta surrada e cabelo ensebado que chegava nos ombros. Bati o olho neles e pensei que estavam perdidos, deslocados algumas décadas em relação a banda cover que estava tocando. Ledo engano. Bastou tocar It’s Now or Never para os dois mostrarem que estavam onde queriam estar. Colaram as testas juntando os olhares numa intimidade indecifrável, balançaram como se ensaiassem dançar coladinhos, sorriram pela tentativa frustrada mas apaixonada, e então encaixaram seus corpos naquele abraço perfeito, a vácuo de tão próximos, como se entrassem no peito um do outro, e se deixaram levar pela música. Certamente optaram pelo agora.

E isso porque Elvis não morreu.