Na prova de Teoria Literária, as contradições de ser formado em Ciências Sociais e estar cursando uma segunda graduação me assaltaram traiçoeiramente.
Lá pelas tantas uma questão pediu para que fossem marcadas – sim, prova de marcar "X" – todas as alternativas que contivessem comportamentos humanos culturais.
A questão referia-se a uma discussão em sala de quando a professora tentou nos explicar o que era cultura e de como era preciso desnaturalizar o natural. Enfim, tratava-se do caminho antropológico para se pensar cultura.
Mas a questão veio escorregadia.
Tinha lá umas alternativas obviamente culturais... Comer com talheres, Dormir de Pijamas, Falar Português. Outras obviamente não-culturais, tipo Dormir e Comer.
Mas, como eu disse, escorregadia...
Trabalho: é ou não cultural? E Brincar, é coisa da cultura ou da nossa natureza? Existem monografias sem fim, dissertações e teses em torno disso! E lá estava a primeira prova da disciplina de Teoria Literária, no primeiro ano do curso de Letras, me perguntando isso... Na mão a caneta vacilou.
Tinha ainda duas suspeitosíssimas alternativas: Andar e Falar.
Se tem uma coisa que aprendi nas sonolentas aulas de antropologia, é que não devemos nunca duvidar da capacidade de inovação das etnias desse mundo afora. Andar tem como sinônimo denotativo, e também conotativo, o verbo caminhar, que nos remete a andar sobre duas pernas. Quem garante que na África setentrional algum povo que só existe porque algum antropólogo xereta foi fuçar atrás, use outra ação, que não andar/caminhar, para locomover-se?
E Falar então? Lembro mais ainda, apesar das divagações inevitáveis durante as já referidas aulas de antropologia, que existe mesmo um povo que usa somente dos estalos da língua para comunicar-se. Exótico é, sem dúvidas, mas e isso é Falar?
Como se vê, a prova de Teoria Literária encurralou meu diploma de bacharel em Ciências Sociais.
Agora, pensando a respeito, vejo que a culpa é do próprio diploma.
Para obtê-lo passei por tantas horas-aula em que aprendi a ser relativista ao extremo; me ensinaram como duvidar de tudo e desconstruir o dado como certo e único; me levaram ao topo do relativismo. Só não trouxeram de volta. E as coisas começaram a perder suas certezas – às vezes perigosamente.
Aí, quando chegam as questões simples do dia a dia, não consigo escapar de mim mesmo.
Quer dizer, não consigo relativizar meu próprio relativismo para no fim voltar momentaneamente a ser não-relativista. Ou algo do tipo.
Ao final entreguei a prova.
O tira-teima só aula que vem, na próxima semana.
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