quarta-feira, 6 de julho de 2016

Como entender Max Weber?

Max Weber (1864 – 1920), alemão, intelectual e político, foi um sujeito muito do foda. Estudou tanto e tantas coisas que é desanimadora qualquer tentativa de tentar igualar o ímpeto com que ele se atirava aos estudos. Não à toa, é também um clássico da sociologia.

Sim, pois desenvolvendo estudos em religião, política, economia e direito acabou traçando elementos fundamentais para compreendermos a sociedade moderna.

E comparando com outros sociólogos clássicos, há quem diga que sua teoria foi a que melhor envelheceu – isto é, não obstante os avanços na forma de fazer Sociologia, Weber continua oferecendo conceitos interessantes e metodologia pertinente.

Por isso vamos hoje à uma introdução à Max Weber.

Não o seu dissecamento pelo avesso, mas um olhar abridor de portas.

O que segue abaixo é um tentativa de ilustrar parte do pensamento weberiano, e justamente a parte que facilitará a compreensão de seus conceitos futuramente trazidos aqui – como tipo ideal, ação social, burocracia, dominação, desencantamento do mundo, entre outros.

O texto começa com a caracterização geral da pegada weberiana, passa pelo seu uso das causas prováveis, segue na menção daquilo que Weber considera mais importante na análise sociológica, e termina pincelando duas expressões inevitáveis ao falar de quem falamos: sociologia compreensiva e individualismo metodológico. 

E atenção!

A intenção aqui é provocar a mais leve e sutil aproximação de um autor ou ideia. Portanto, os textos a seguir é introdutório e absolutamente simplificados. E tenha ciência que o efeito perverso das simplificações é perder (ou até distorcer) o sentido original do autor ou ideia (ainda mais com Weber cuja toda ideia é razoavelmente complexa). Assim, considere o texto abaixo nessa condição


O mais triste dos sociólogos.

Weber foi um sociólogo muito do deprimido. E com isso eu me refiro a mais do que a seu quadro clínico depressivo (estudar demais faz mal, gente). Até sua teoria era triste, e sua visão de ciência, desanimadora.

De forma geral, acreditava que caminhávamos para um futuro desolado e sem graça. Um futuro em que perdemos a magia da vida e nos prendemos numa cela feita de eficiência, normas e regras – this is modernity, baby.

E a atividade científica (inclusive sociológica), por sua vez, não ajuda muito pois é algo essencialmente limitado. Conforme progride, a ciência não traz verdades senão mais e mais perguntas; e a tal ponto, que o sociólogo ao final de sua carreira só terá a certeza de que logo seus achados serão superados já que a verdade última das coisas é impossível.

E aqui está algo crucial ao entendimento de Weber: sua, digamos, humildade científica.

Leis invariáveis, a explicação total das coisas e fenômenos, o sentido essencial de um acontecimento, grandes quadros explicativos... nada disso Weber crê ser sociologicamente possível.

Portanto, todo aquele papo positivista de achar as leis da sociedade bem como um estágio final da ciência, definitivamente, não é o papo de Weber.

Do mesmo modo, aquele papo marxista duma dinâmica única e exclusiva que explica a sociedade, que é o materialismo (lembrando simplificadamente: a economia determina todo o resto), também não cola em Weber. 

Não, Weber é muito mais humilde.

O que então Weber propõe?

A ciência é possível, mas tem limites.

Certamente que Weber acredita que podemos construir conhecimentos válidos e o cara dedicou a vida a isso.

Ora, o que ele refuta é um conhecimento que se pretende total, unívoco, a verdade absoluta; por outro lado, um conhecimento ciente da sua limitação é plenamente aceitável. 

Daí que toda a sua sociologia é marcada por causas prováveis - não definitivas, não absolutas, não únicas, apenas prováveis. 

Num dos mais famosos estudos weberianos, ele investigou a ligação entre o capitalismo e religião. Como pano de fundo, uma das perguntas que o estudo queria responder era por que é que o capitalismo surgiu aqui no Ocidente e não, digamos, na China? 
 
Algumas vertentes sociológicas responderiam através de leis de funcionamento da sociedade ou de algum princípio que está em toda a natureza humana.

Weber, por sua vez, vai apontar tão somente uma causa provável.

Assim, desenvolve o raciocínio de que uma determinada visão de mundo religiosa, surgida no Ocidente, coloca as pessoas numa certa atitude diante do trabalho e dos seus resultados.

Esse jeito de encarar o trabalho, por sua vez, vai se encaixar bem no princípio elementar do capitalismo, isto é, produza riqueza mas, em vez de gastá-la, reinvista para gerar ainda mais riqueza.

Daí que essa visão de mundo religiosa, ao interferir no modo como as pessoas trabalham e vivem, é uma das causas prováveis para o capitalismo ter surgido no Ocidente e não noutro lugar do mundo.

É a explicação final? O fenômeno está totalmente compreendido? Podemos bater o martelo quanto a origem do capitalismo, dizer que ele surgiu por causa de uma determinada religião, e então passar adiante? Não mesmo.

O que Weber fez foi encontrar um nexo causal que ajuda a entender a questão.

Nem mais nem menos, mas tão somente um nexo causal.

Em termos genéricos:

não há como eu dizer que um fator A determina um acontecimento X, por outro lado, eu posso sim dizer que um fator A favorece o acontecimento X.

E se os grandes acontecimentos históricos são vistos sob essa humildade científica, eu preciso partir de bases igualmente humildes.

"Me diz aí, por que você faz isso?"

Compreender o nexo causal das coisas só é possível quando eu percebo o que realmente importa na vida social.

Quer dizer (novamente), se eu parto em busca de leis universais-totais, não encontro um conhecimento possível. Entretanto, existe algo que está imediatamente ao alcance da sociologia e que é, portanto, a fonte do conhecimento possível.

Trata-se da conduta individual das pessoas.

Nessa perspectiva, o sociólogo não pode localizar, no dia a dia, a lei da sociedade e dos fatos (livros religiosos não contam, ok?). Por outro lado, ele pode sim localizar a ação das pessoas, e isso é o que realmente importa na vida social.

Weber fez uma constatação até óbvia.

Imaginemos uma sala de aula e um aluno que não para de conversar durante a aula.

Aí então, consternados pela profundidade da questão, intelectuais realizam uma grande conferência sociológica para discutir por que diabos os alunos conversam durante a aula.

Certas vertentes sociológicas dirão que é culpa da estrutura escolar.

Outras dirão que é reflexo da civilização moderna, que está perdendo seu poder de disciplina e ordem.

Vai rolar a habitual culpa da ausência de valores morais dados em casa. 

E pode até ter algumas que invocarão uma tendência psico-sócio-biológica para explicar o aluno tagarela.

Se Weber estivesse nessa conferência ele iria sugerir apenas uma coisa: que tal começar perguntando para o aluno por que é que ele está conversando?

"Me diz aí, por que você faz isso?"

Uooow! Como não pensamos nisso antes?

E é simples assim.

A sociologia weberiana é voltada para as condutas pessoais, mas a partir do sentido que as pessoas atribuem às suas condutas. Ora, tudo o que fazemos nós fazemos com algum sentido, fazemos com alguma razão.

Mesmo que às vezes nem nós compreendamos essa razão e muito menos consigamos antever as consequências daquilo, para Weber é o sentido subjetivo que importa e deve ser resgatado.

Instituições sociais, grupos sociais, representações coletivas: isso tudo existe, mas o grande potencial explicativo está no sentido que as pessoas atribuem às suas ações. E, aliás, é partindo das ações individuais que podemos frequentemente apreender instituições, grupos, representações e tantas outras coisas da ordem coletiva.

Assim, a conduta humana é o que nós, sociólogos, temos à nossa disposição para trabalhar, e compreender essa conduta (suas causas, desenvolvimento e efeitos) é o objetivo da Sociologia.

(não percamos de vista o que está como pano de fundo: não existe uma verdade metafísica que o mais fodástico pensador pode captar, o que há é um sentido pessoal a ser compreendido, interpretado e explicado).

Daí Weber ser associado à chamada sociologia compreensiva e ao individualismo metodológico.

Compreendendo os indivíduos.

A sociologia deve compreender o sentido que as pessoas dão às suas ações, e a partir daí interpretar e explicar as coisas.

E por outro lado, o método para tanto, a ferramenta analítica para alcançar aquele sentido, parte sempre do indivíduo, das pessoas concretas, dos seres humanos em sua vidas vividas.

Voltando ao estudo weberiano que relaciona capitalismo e religião temos, naturalmente, o melhor exemplo da sociologia compreensiva e do individualismo metodológico.

Os indivíduos vivem suas vidas. Essas vidas são inspiradas, dentre outras coisas, por uma visão de mundo religiosa, e essa visão de mundo faz com que elas deem um determinado sentido ao seu trabalho - devem trabalhar e produzir tanto quanto possível, mas sem gozar dos prazeres mundanos.

Portanto, é na ação individual de cada um (individualismo metodológico), apreendendo o sentido que cada um confere à sua ação (sociologia compreensiva), é que se alcança um quadro explicativo: por acharem que devem trabalhar sem gozar dos prazeres mundanos, as pessoas reinvestem o fruto do trabalho para terem ainda maiores frutos no futuro, o que dá uma baita mão na roda para o desenvolvimento do capitalismo.

Veja (reforçando a humildade weberiana) que isso está a quilômetros de distância de teorias que falem sobre leis de desenvolvimento da sociedade ou de princípios universais ou de argumentos totalizantes.

Partindo dessa humildade científica em Weber captamos muito dos seus estudos, conceitos e argumentos. Como veremos futuramente, toda a sua sociologia é marcada pelos elementos vistos acima: uma ciência limitada, o sentido que as pessoas dão às suas ações, e o esforço intelectual voltado à compreensão desse sentido.

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