sexta-feira, 8 de julho de 2016

O que é Ação Social?

Na Sociologia, se falamos de ação social, falamos quase invariavelmente de Max Weber. Afinal, ele deixou uma grande sacada à ciência sociológica que seria mais ou menos o seguinte:

todo fenômeno social é composto por ações individuais.

Por trás da obviedade aparente rola um profundo debate sobre como é que podemos compreender esse mundo social louco que nos rodeia.

Vamos lembrar que os outros clássicos viam a coisa por outro viés.

Durkheim explicava as coisas pelos fatos sociais, que eram coletivos, gerais e coercitivos – portanto, pairavam opressivamente sobre os indivíduos e suas ações individuais.

Marx, num viés analítico generalizante, via a sociedade regida por uma dinâmica dialética materialista que, em última instância, também não dava muito espaço aos indivíduos e suas ações individuais – se muito, dava espaço às classes sociais em perpétuo combate.

Aí que quando Weber diz que devemos focar especificamente na ação individual, bem, temos uma considerável mudança de perspectiva.

No texto abaixo seguiremos aprofundando, primeiramente, o entendimento weberiano de ação. A seguir, serão dados os famosos quatro tipos de ação, o que conduzirá a uma breve pincelada sobre os famosos tipos ideais.

O caminho do meio. 

O foco de Weber na ação individual é uma posição intermediária entre dois extremos.

De um lado, o livre arbítrio ingênuo – como se as pessoas tivessem total e absoluta liberdade para fazer, pensar, sentir e etc como bem entendessem. Do outro, as explicações totalizantes – como se houvesse um grande quadro explicativo capaz de dizer invariavelmente por que é que as pessoas fazem, pensam, sentem e etc desse modo e não de outro.

Ora, não existem condicionamentos absolutos – rebate explicações totalizantes -, mas é certo que existem estruturas sociais que influenciam nosso comportamento – rebate o livre arbítrio ingênuo.

Aí que a ideia de ação social é muito pertinente. Como veremos abaixo, ela traduz, entre outras coisas, o elemento intersubjetivo da vida em sociedade.

Simplificando: tudo o que eu faço precisa ser compreensível por outras pessoas.

Portanto, por mais que eu possa sim executar ações individuais espontâneas e originais, é certo que essas ações refletem um fundo em comum com outras pessoas – que poderíamos chamar de valores, cultura, aprendizado, e por aí vai.

O conceito de ação social.

Feita esta introdução, vamos então conceituar ação social.

Como vê-se, é um conceito que traz duas ideias: ação e social.

Ação refere-se a um fato muito básico: o indivíduo age e atribui sentido subjetivo à sua conduta.

É mais ou menos como se todos nós agíssemos, mesmo sem nos dar muita conta, com um 'por que' latente, uma explicação que nós damos para a nossa ação – isto é, um sentido subjetivo.

Social refere-se a outro fato muito básico: o sentido atribuído à ação se relaciona à conduta de outra pessoa.

Vamos a um exemplo.

O aluno, em sala de aula, está prestando atenção na aula. Isto é, o professor explica e ele ouve e toma notas.

Podemos supor que o aluno está realizando uma ação cujo o sentido subjetivo seria de efetuar o aprendizado, para assim conseguir boa nota na prova próxima, que acumulada a outras boas notas lhe daria a aprovação no final do ano, e que numa cadeia maior supostamente lhe ajuda no ENEM, no vestibular, etc e etc.

Assim, aquela ação de 'prestar atenção' tem um sentido subjetivo para o indivíduo.

Mas essa ação é também social. Por quê? Porque está voltada à conduta de outras pessoas.

Evidentemente, o aluno só pode prestar atenção porque tem outra ação acontecendo, que é a do professor explicando a matéria.

Ambos, professor e aluno, entendem o que está acontecendo naquele momento e por isso podem, cada qual do seu lado, efetuar uma ação social – isto é, uma conduta com sentido subjetivo que volta-se para a conduta do outro.

Digamos que eventualmente o aluno não estivesse prestando atenção, mas apenas fingindo que presta atenção. Novamente, seria ação pois há um sentido subjetivo – camuflar o fato de estar pensando na festa do final de semana. E seria social porque volta-se para a conduta de outras pessoas – do seu professor, que prossegue dando aula na expectativa de obter a atenção dos seus alunos.

Aqui fica mais clara aquela posição weberiana entre os extremos de uma determinação total das atitudes individuais e do livre arbítrio absoluto. A ação social, por definição, envolve a liberdade de cada um dotar suas condutas de um sentido próprio, mas isso é feito sobre bases comuns compartilhadas com outras pessoas.

É importante notar, ainda, que Weber usa a palavra subjetivo. Isto é, nós atribuímos sentidos subjetivos. Isso é uma grande diferença com Durkheim que, vamos lembrar, aposta na objetividade dos fatos sociais, essas coisas concretas, expressas na realidade observável.

Weber, ao contrário, fala de subjetivo como algo que não é imediatamente apreensível. Subjetivo, na verdade, como uma esfera interna ao sujeito, sua visão de mundo, a percepção que tem de si e de tudo que o rodeia, e que deve ser reconstruída caso queiramos compreender essa ação social.

Talvez isso tudo fique ainda confuso. Mas quando analisamos os tipos de ação social que Weber elenca as coisas tendem a ficar mais claras.

Os quatro tipos de ação social.

De acordo com Weber, se analisamos as condutas das pessoas, podemos identificar quatro tipos de ação. É um pensamento esquemático muito simples e intuitivo.

Ação Tradicional. É o comportamento individual que responde à tradição, ao costume, àquela ordem das coisas que sempre foram de um jeito e, por isso, realizo uma ação que preserve essa tradição. Por exemplo, é quando a pessoa significa a sua ação através do famoso "bem, nós sempre fizemos assim, né?". 

Ação Afetiva. É a resposta a um impulso emocional, ou ainda a um estado de consciência ou humor. É quando a pessoa reage instantaneamente e sem raciocinar – é só sentimento guiando a ação, como a bofetada que o pai raivoso dá no seu filho desobediente.

Ação racional com relação a valores. É um cálculo mirando um objetivo, um fim, só que esse fim é um valor que o indivíduo tem como importante. Ou seja, é uma ação racional ("o que fazer para alcançar aquele objetivo?") para satisfazer um aspecto moral, ético ou de convicção. Por exemplo, é capitão afunda com seu navio porque acredita que esse é o seu dever, é o criminoso preso que não denuncia seu comparsa porque acredita em princípios de honra e camaradagem.

Ação racional com relação a fins. É um cálculo mirando um objetivo, um fim, mas isento de qualquer aspecto moral ou ético. É simplesmente encontrar o melhor meio para atingir, de modo eficaz, o fim. É quando o empresário busca o lucro, por exemplo – é, na verdade, o tipo de ação mais comum nas sociedades modernas.

E acho interessante ressaltar três importâncias dessa tipificação das ações.

A primeira, e mais óbvia, é seu poder ilustrativo. São úteis (e até divertidas) para se pensar o mundo a nossa volta, inclusive nós mesmos. Por que as pessoas agem assim ou assado? E por que eu acabo de fazer isso ou aquilo? Responder essas perguntas é a ponta da corda de muitas explicações sociológicas interessantes e de grande alcance.

A segundo, um pouco menos óbvia, é que as pessoas não são necessariamente frias calculistas voltadas para ganhos materiais. Observando os tipos de ação, notamos que apesar do aspecto utilitário de nossas ações existir sim – ação racional -, existem também outros aspectos que devem ser considerados – ação guiada pela tradição, sentimentos, ou mesmo uma racionalidade voltada a valores.

E terceira, que é muito razoável, é que são tipos de ação exemplificativos e não uma lista taxativa. Isto é, são um esforço intelectual para tentar melhor organizar nossos pensamentos sobre a ação das pessoas, e não necessariamente aquilo que encontramos no mundo real e nas ações reais das pessoas.

Estamos falando, então, de outra importante noção weberiana.

O tipo ideal.

Para Weber, o método científico consiste em construir tipos.

E é assim porque construindo tipos eu consigo simplificar o elemento da realidade a que quero me referir.

Ora, a realidade é complexa pacas, portanto é extremamente improvável conseguir sintetizá-la num conceito (uma dificuldade gritante nas ciências humanas).

Aliás, se pegarmos um bom dicionário, notamos que praticamente todo verbete traz pelo menos dois sentidos diferentes, revelando que nosso uso das palavras não é algo simples pois as palavras não tem uma pronta, evidente e acabada correspondência com a realidade.

Quando falamos das pessoas e de suas ações certamente que a duplicidade (ou mais) de sentidos também ocorre.

Construir tipos ideias, portanto, é um esforço intelectual para organizar o fenômeno observado. Através desse esforço, o cientista cristaliza aquilo que torna o fenômeno diferente dos demais.

Um tipo ideal é uma simplificação, a redução daquilo que observo ao seu estado de pureza, à sua essência.

É como um filtro que eu aplico à realidade para retirar dela seu o elemento mais contrastante.

Isso é o tipo ideal weberiano: uma ferramenta analítica para encarar a realidade.

Note a diferença sutil e fundamental.

Eu não realizo estudos para alcançar, enquanto objetivo final, um tipo ideal.

Ao contrário, eu uso dos tipos ideias no meu estudos para então alcançar, enquanto objetivo final, uma melhor compreensão da realidade.

Voltando aos tipos de ação social, temos então que são tipos ideais: quatro tipos de ação social em seu estado puro, cristalizado, forçados para melhor conseguir compreendê-los – e aplicá-los, caso a caso, na análise da realidade.

Raramente as pessoas realizam ações exclusivamente tradicionais, ou afetivas, ou completamente racionais. Muito pelo contrário. As pessoas geralmente realizam ações nas quais a motivação é confusa e misturada. Entretanto, com os tipos ideais à mão, posso correlacionar os elementos dessas ações a um norte seguro, claro e facilitador: as ações em seu estado puro.

Assim, munido de um conceito de ação social, bem como seus quatro tipos ideais, o sociólogo pode encarar a realidade investigativa.

Ele já sabe com o que está lidando – conceito – e tem uma referência para melhor interpretar os sentidos – os quatro tipos ideais de ação.

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