Tudo começa em 1981, ano em que o Homem perde o controle das provas atômicas realizadas no espaço: aos poucos, ele se dá conta de que provocara a esterilidade de sua própria espécie. Sem herdeiros nem continuadores, a civilização desmorona, e em comunidades isoladas vivem os últimos velhos. Emocionante e repleto de imaginação, Jornada de Esperança destaca-se entre os melhores romances de ficcção científica desse mestre do gênero que é Brian Aldiss.
Esta é a sinopse do livro Jornada de Esperança, do inglês Brian Aldiss, escrito numa distante década de 1960.
Foi um título de notável sucesso. Além das várias traduções para diferentes idiomas, não raro figura em algumas listas de melhores ficções científicas já escritas.
Mas e vale a pena ler Jornada de Esperança?
Antes de falar do livro, vamos falar dessa tradução, que ficou bem ruinzinha. Alguns termos e construções frasais ficaram bem estranhas, enquanto que diálogos beiram a falta de sentido. Nada que atrapalhe terrivelmente a leitura, mas é uma pena deparar-se com esse tipo de falha emporcalhada - e espero que outras edições tenham traduções melhores.
E a tradução só não atrapalha mais porque a história é boa.
Sim, como você pode observar pela sinopse, ela é meio datada; meio que já estamos anestesiados com tantas histórias de ficção científica que exploram o pavor das armas nucleares (algo que era bem mais sensível quando o livro foi escrito, lá na perigosa década de 1960). Mas a premissa central dessa história, o seu gatilho que a faz ser uma ficção científica é, ainda hoje, um tanto inovadora: um mundo sem crianças.
Uma capa só um pouco mais legal do que a nossa. |
Provavelmente por ignorância minha, parece não existirem muitas histórias desse tipo. Para ser sincero, consigo lembrar apenas do filme Filhos da Esperança (2006), que por sua vez é baseado em um livro.
De qualquer modo, esse gatilho ficcional é bem provocante. Mais do que isso, é um tanto aterrador: a radiação disseminada por todo o globo nos tornou estéreis e os únicos humanos vivos são pessoas na casa dos 50 anos para cima.
Consegue imaginar uma sociedade feita só por idosos? As consequências disso? É mais ou menos essa a proposta de Aldiss e seu livro Jornada de Esperança.
A narrativa, contudo, pode desanimar alguns leitores.
Ela não conduz a um clímax decisivo, nem é um contundente encadeamento de fatos e acontecimentos que progressivamente levam a história até um desfecho impactante. Ao contrário, é mais como se fosse uma somatória de crônicas sobre um grupo de sobreviventes neste mundo futurista sem crianças (mais ou menos como em Crônicas Marcianas de Bradbury, que logo será comentado neste blog).
Nestas crônicas são desenvolvidas, sobretudo, aquelas consequências de um mundo em que as pessoas sabem que não existirão mais descendentes. E é aí que o livro tem um enorme valor quanto ficção científica; é realmente curioso pensar o que seria de nossa sociedade sem a perspectiva de sua reprodução através das novas gerações.
No livro, várias questões surgem, algumas mais interessantes do que outras a depender do gosto pessoal do leitor, mas todas realmente legais (como a das guerras que disputariam as últimas crianças vivas, ou então a neurose que se instala entre os velhos quanto à possibilidade de voltar a aparecem crianças).
É interessante notar também o teor, digamos, moralista da história. Apesar de ter sido o acidente nuclear o grande responsável pela esterilidade humana, a todo momento somos expostos a perspectiva da humanidade como uma espécie que não aprende com os próprios erros e que, mesmo sem armas nucleares, dá um jeito de ferrar a si mesma - como muitas das ficções científicas de antigamente, essa história também nos dá uma lição de moral a respeito da humanidade enquanto uma espécie belicosa e por isso propensa ao auto-extermínio.
Apesar de ser uma história sem muitos momentos de tensão, sua atmosfera torna a leitura agradável. Particularmente por ser como que um road movie em que os personagens vão viajando por aqui e por ali, conhecendo lugares e pessoas, e assim vamos entendendo como é este mundo sem crianças - e sem sociedade econômica, civil ou política organizada.
Além desse aspecto de road movie, há também o uso dos cortes temporais. Os personagens principais são explicados através de voltas no tempo, quando o acidente responsável pela esterilidade humana tinha recém acontecido. É aí que vamos entendendo a transição de uma sociedade organizada para uma sociedade corroída por fanatismos, guerras e fragmentação política - e tudo graças a perspectiva de não nascerem mais crianças.
Para quem gosta de ficção científica, certamente é uma leitura que vale a pena, sim.
Entretanto, para o leitor mais casual, que quer apenas uma aventura de ficção científica para distrair-se entre aventuras e reviravoltas, não seria o mais recomendado.
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