sábado, 2 de julho de 2016

Como entender Emile Durkheim?

Émile Durkheim (1858-1917) é um dos grandes clássicos da sociologia. Seus estudos tiveram importância não apenas teórica – no sentido de oferecer conceitos e ideias para se pensar a realidade – mas também metodológica – no sentido de oferecer um instrumental para a pesquisa sociológica.

E é por isso que hoje vamos com uma introdução ao pensamento durkheimiano.

Não um aprofundamento, não um mergulhar de cabeça em sua produção intelectual, mas uma entradinha de leve, o basicão, uma olhada malandra que te dá as bases para depois, aí sim, aprofundar pra valer. 

Depois desse texto a esperança é que o leitor tenha mais facilidade na compreensão dos conceitos durkheimianos que serão trazidos aqui futuramente - fato social, consciência coletiva, representação social, anomia, normal e patológico. 

No texto abaixo, você lerá sobre o contexto de escrita de Durkheim, o olhar com que o autor enxergava a sociedade, seu argumento central, e por fim a distinção essencial entre Psicologia e Sociologia. 


O parteiro da Sociologia.           

Durkheim viveu e escreveu na França do final do século XIX e início do XX. E dentre as muitas coisas acontecendo no mundo nessa época, uma delas era uma nascente e topetuda ciência: a Sociologia, a ciência da sociedade (de acordo com seu criador, Auguste Comte, seria a ciência final que substituiria todas as outras).

Só que a Sociologia não nasceu pronta nem imediatamente aceita.

Durkheim parecia particularmente incomodado com isso e puxou pra si a responsabilidade de terminar o parto científico dessa nova ciência.

Para tanto, ele precisava encontrar o cantinho sociológico nesse nosso mundo louco.

Quer dizer, a Física, a Biologia, a Psicologia, entre outras ciências, todas tinham seu cantinho legítimo assegurado – isto é, um objeto e um método próprios. E enquanto isso, a Sociologia ainda se batia em indefinições e menosprezos.

Pois bem, qual seria então o método e objeto próprios da Sociologia?

Um novo deus, a Sociedade.

A resposta àquela pergunta começa com o olhar que Durkheim dirige à nossa sociedade. E, na verdade, nesse olhar nem é a “sociedade” com s minúsculo; é “Sociedade”, assim, grande e potente, com um S maiúsculo para deixar clara a sua superioridade sobre todo o resto.


Que resto? Nós, indivíduos, pessoas que tem seus pensamentos, ações e sentimentos determinados pela Sociedade


Durkheim coloca a Sociedade num patamar absolutamente superior ao dos indivíduos.

Por essas e outras, ele acabou sendo visto como um idolatrador da sociedade, alguém que tirou Deus do pedestal e no seu lugar colocou esse ente coletivo, que é humano mas é infinitamente superior às nossas vidas humanas. Colocou lá uma entidade que depende dessas vidas humanas só que as transcende e nessa transcendência às conduz coercitivamente. 
           
Religião, política, economia, moda, educação, linguagem, etc; as coisas vêm de cima e nós as vivemos aqui embaixo...

É, não é fácil ser indivíduo na visão durkheimiana.

E dada essa dimensão da Sociedade, ela não pode ser de modo algum confundida com o individual ou indivíduos. E aqui entra o grande argumento de Durkheim e que perpassa toda a sua teoria.

O todo é mais do que a soma das partes.

Vamos imaginar que cada pessoa tenha um valor. Digamos, 5.

Aí, algumas pessoas resolvem se reunir e criar um grupo de, digamos, 10 pessoas.

Ora, qual será o valor desse grupo?
           
Será a simples soma dos valores individuais (50)?
           
Ou será que o fato de estarem as pessoas reunidas num coletivo cria uma situação especial que, nessa especialidade, faz o valor total ser maior que a soma dos valores individuais?

Durkheim vai dizer com toda a certeza que se trata do segundo caso.

A religião enquanto fenômeno social não se explica pela soma das fés de cada um.

A divisão do trabalho enquanto fenômeno social não se explica pela soma das atividades realizadas separadamente.

O suicídio enquanto fenômeno social não se explica pela soma dos suicídios individuais.

E não se explicam porque a sociedade é essencialmente diferente de todo o resto – inclusive dos pedacinhos menores que a constitui.

E aí entra o termo durkheimiano tão famoso: a Sociedade é uma realidade sui generis. Isto é, ela é específica, particular, representa um nível da realidade absolutamente distinta daquele nível do individual e dos indivíduos.

Tomando pois o sentido da sociedade como algo super específico, e respeitando essa especificidade, é que é preciso existir uma ciência da sociedade, a Sociologia

Para sedimentar esse seu argumento central Durkheim foi muito incisivo. Incisivo e brigador, pois saiu distribuindo indiretas e diretas para muitas pessoas e coisas, particularmente para as ciências que eventualmente se confundiam (por descuido ou má-fé) com a Sociologia.

Isso é Sociologia, não Psicologia!

Nada mais emblemático para constituir uma ciência da sociedade do que afastá-la do seu grande oposto, a ciência da individualidade.

Não que Durkheim detestasse a Psicologia ou achasse que ela era inútil. Na verdade, até assumia interconexões possíveis entre as ciências.

Mas, diria ele, vamos combinar, né, cada uma em seu quadrado!

Era tentador na época (e ainda hoje) explicar as coisas pela psiquê. Como se nosso cérebro em suas intricadas rugosidades curvas contivesse ali a mente, e ela, numa geração quase espontânea e autônoma, fosse o germe de tudo o que somos e fazemos.

Ora, se a Sociedade é com S maiúsculo e tudo, as coisas não podem ser simplesmente assim. 

O estudo durkheimiano sobre o suicídio foi uma grande patada nessa visão e por consequência foi uma grande afirmação da Sociologia como uma ciência muito da foda estudando coisas que nenhuma outra ciência conseguia entender. Ora, esse estudo argumentou consistentemente que o suicídio tem causas sociais!

Assim, Durkheim via Psicologia como:

# ciência da mente do indivíduo, tem objeto nos estados individuais da consciência;

#  voltada para elementos pré-sociais, orgânicos, que são naturalmente dados e independem das influências sociais;

#  preocupada com as causas isoladas, e portanto incapaz de traçar explicações relativas a grupos e coletividades;

# centrada em estados ou disposições mentais, não consegue perceber as variações de acordo com condições sociais.

É uma visão que certamente os Psicólogos podem levantar objeções.

Entretanto, o maior uso dessa visão durkheimiana é para fortalecer a Sociologia. Isto é, através do contraste, de um fundo negro, ele pôde escrever em letras brancas a sua proposta de ciência sociológica.

A Sociologia para Durkheim é:

# ciência voltada para a coletividade, tem objeto nos estados coletivos da consciência;

#  voltada para elementos sociais, que são socialmente aprendidos e transmitidos via socialização;

# preocupada com causas inter-relacionadas, e portanto atenta a fenômenos relativos a grupos e coletividades;

#  centrada em estados ou disposições coletivas, nota as variações de acordo com condições sociais.

Daí que tudo o que Durkheim produzir em termos de estudos sociológicos terá, de um jeito ou de outro, essas considerações. Considerações que podemos resumir didaticamente em duas: uma teórica – o todo (Sociedade) é diferente da soma das partes (Indivíduos) – e uma metodológica – o interesse pelo elemento coletivo da vida social.

Nos próximos textos durkheimianos veremos seus principais conceitos, que, espero, ficarão mais claros após esta introdução.                      

Nenhum comentário:

Postar um comentário