domingo, 28 de março de 2010

Internet e suas maluquices

Quanto mais conheço da internet mais vejo que não conheço nada, e mais aumenta minha impressão de que esse mundo tá virando um negócio de maluco. Principalmente quando olho pra esse auê de comunidades virtuais e derivados.

Conversando com um amigo, ele me disse que o MySpace da sua banda tinha atingido não sei quantos mil visitantes. Eu, só para me entrosar, fiz que sabia que tantas visitas era uma quantidade fantástica para um MySpace. Eu nem sei o que é isso; não sei onde fica, como se faz um, nem para que serve. Vagamente sei que toda banda – como é o caso do meu amigo – parece que deve ter um hoje em dia.

Mas a zona continua com Facebook, LastFM, Twitter, Flickr, Fotolog, Tumblr, Delicious e certamente outros que minha ignorância virtual não contempla – e Orkut nem comento porque toda pessoal normal tem um, certo?

Em suma, tem uma porrada de sites com trejeitos de comunidades virtuais que exigem um profile. Resultado é que as pessoas ficam num frenético recorta e cola com esses profiles para tentar dizer, e mostrar é claro, quem são elas. O que faz, que amigos tem, quais filmes assiste, quais bandas curte, o que acabou de fazer, qual foi a porcaria de lugar que você esteve nas ultimas férias. Tem até o Skoob, onde você cria um profile baseado nos livros que você leu, está lendo, ou pretende ler...

Sério, acho muito maluco isso tudo. Num forum esses dias atrás, a assinatura da pessoa trazia link para uns quatro ou cinco profiles dela. O seu eu todo dividido e repartido, exposto à vontade de um clique; conseguiu a proeza de se destilar em várias dimensões, como um quebra-cabeças ao contrario. E eu que tinha a impressão que o meu eu só precisava de um Orkut e um blog.

Mas o que acho ainda mais tenso é que as pessoas não tem apenas que se mostrar conforme a comunidade exige. Elas tem que se mostrar melhores do que as outras. Uma competição virtual para conseguir acessos, amigos, comentários, notas, views, ou coisa que o valha. O cúmulo são aquelas redes sociais estilo Orkut exclusivas para pessoas bonitas... e se alguém acha algum profile feio, faz uma denúncia(!) e o mesmo é excluído. Ou então parece que se você não atingir certa porcentagem de votos que elogiem sua beleza, você é também é excluído.

A questão é que não basta mais uma poesia bacana no quem sou eu, uns videozinhos da sua banda preferida e umas fotinhas transadas. Isso não dá pano pra manga no competitivo mundo dos profiles. É preciso mostrar-se convincentemente com toda a criatividade possível.

Talvez ninguém possa discutir que um blog precise de seus recursos marketeiros. Só que isso se espalhou bizonhamente para todas as outras coisas onde as pessoas falem de si. Aliás, há um tempo atrás blog era algo duvidoso pela sua alta carga expositiva, mas hoje blog é o menor dos aparatos pelo qual a gente pode ter a intimidade ou coisa que o valha exposta. No duro, eu fico bobo com essas coisas.

Isso tudo entra no nosso dia a dia e se a gente não pára pra pensar até esquece como são coisas malucas.

sexta-feira, 26 de março de 2010

A infelicidade - a sociologia explica

Talvez seja um tanto contraditório começar um texto chamado a sociologia explica com Sigmund Freud, pensador vindo de outro campo, pai da psicanálise. Todavia, a contribuição dele tem um claro teor sociológico, e portanto, não é raro seu uso nas Ciências Sociais, dissipando essas barreiras disciplinares.

Pois bem, vamos ao que viemos: a infelicidade.


Ja no início do século passado se colocava em dúvida aquela promessa de uma sociedade em progresso absoluto e fonte de inimagináveis vantagens à humanidade. Todo o concreto, todas as leis, todo o maquinário e avanço tecnológico não foram as aguardadas flores perfumadas. Exemplo que coloca em evidência o por que dessa dúvida foi a Primeira Guerra Mundial, um golpe em cheio na crença de uma sociedade evoluída.

Neste contexto de questionamentos, Freud vai emergir com muito pessimismo e ceticismo. E é essa adjetivação que veremos impressa na maneira como ele encara a civilização, sugerindo então que é ela a fonte de nossas infelicidades e desprazeres.

A tensão básica que ele expõe, e que já evidencia bem a sua perspectiva sociológica, é de que existem duas faces da vida civilizada: a liberdade individual e o ordenamento coletivo. Forças num primeiro momento opostas que posteriormente se juntam em uma só dinâmica: a vida em sociedade.

Mas Freud é cético e pessimista. Articula então o raciocinio que se segue, argumentando por que essa dinâmica é tão cara para nossa felicidade.

Vida na civilização – isso que ele define como o controle do homem sobre a natureza e o ajuste dos relacionamentos humanos – só surge porque os indivíduos abdicam, todos, de suas vontades e liberdades, para ordenarem-se de tal modo que não sofram pela violência uns dos outros. Violência, sim, pois para Freud os homens são maus, perigosos, agressivos. Características que os instintos explicam...

Sem entrar no mérito desses supostos instintos, o que se destaca aqui é uma ordem coletiva que visa reprimir o que seria contrário a vida em sociedade. E aí é que tá a fonte de nossas infelicidades, pois para Freud, todos buscam a felicidade e satisfação como podem, só que o que é reprimido são justamente nossos instintos que, de algum modo, nos dariam prazer. Ou, se não dariam prazer, quando reprimidos retornam como o desprazer de algo sufocado. Por trás de todo esse papo instintivo, também fica a idéia polêmica de que afinal de contas o homem não pertence a razão, e sim ao desejo.

A civilização opera então uma verdadeira mutilação: reprime cada indivíduo forçando-o a renúncias íntimas e essenciais. Mas se isso já é traumático, torna-se ainda pior quando obriga cada um, em sua natureza social tão diversa, a enquadrar-se em um único e dominante modelo de vida. E aí estamos nós, infelizes e neuróticos.

Freud vai além. Atribui a essa repressão uma ação canalizadora – afinal, a energia dos instintos reprimidos deve ir para algum lugar – em direção às atividades intelectuais superiores, como a ciência. Isso nos remete novamente a idéia de jogar o proibido para dentro de mecanismos e procedimentos aceitos, e inclusive retirar daí algum tipo de satisfação. Porém, uma satisfação nunca igual àquela obtida na realização dos impulsos proibidos.


Acredito que toda a vestimenta psicanalítica de instintos e outras coisas que não mencionei – como libido, superego, inconsciente – pode ser deixada de lado em troca da síntese sociológica dessas idéias freudianas: introjetamos ordens e normas, tudo isso que a civilização dá como seus jeitos certos e civilizados de proceder, só que com um custo alto à nossa subjetividade. Surge então a necessidade de combater a consequencia de toda a renúncia que somos obrigados, como o uso de tóxicos e de ilusões que escapam à realidade. E o mais cruel de tudo, ponto alto do pessimismo de Freud, é que se com a civilização estamos presos desse modo e tão longe de nossas felicidades, sem ela perderíamos a segurança contra muitos de nossos desprazeres – em miúdos, trocamos nossas liberdades pela nossa segurança.


Como toda boa e clássica interpretação da realidade, não se trata aqui de tentar taxar isso como verdade ou mero delírio psicanalítico; trata-se de perceber como a civilização pode ter, coerentemente, uma culpa enorme para nossas infelicidades e crises existenciais. O que levanta, aliás, um ponto de deleite para os sociólogos: nem mesmo o meu mais íntimo eu está livre das influências do coletivo.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Aquilo que não deu certo

Algumas coisas quando acabam deixam a impressão de que acabaram cedo demais. Para esse tipo de coisa a gente até faz uma forcinha compreensiva e consegue entender que tinha de ser assim; tipo Beatles, Kurt Cobain e namorinho de sétima série.

Já outras, acabam e a gente não consegue entender o por que daquilo acabar tão precocemente. Não entende mesmo, e passa a culpar a ordem cósmica maldosa – ou então simplesmente o perverso e ganancioso mundo capitalista. E definitivamente a série animada Mission Hill e banda Death são duas coisinhas que nos despertam essa incompreensão.

Não são coisas novas. O primeiro é de 1999, e o segundo de 1974. Mas acho que isso só aumenta o gostinho de coisa boa que se perdeu entre tanta porcaria. Vamos a explicação.

Mission Hill é um desenho estadunidense politicamente incorreto que faz humor usando de algumas figurinhas tipo casal gay, artistas autonomos e chargistas fracassados. Tem também os nerds e um cão, mas prossegue com uma série de personagens um tanto quanto alternativos.

O humor não é escrachado e quando fala de drogas, sexo ou usa de outros artifícios de ‘humor fácil’, até surpreende a gente por saír um pouco do comum. OK, não é um desenho cult, é só para rir, contudo consegue inovar no humor. E no traço também; a arte é show de bola.

Mas não deu certo. Ou o desenho era ruim ou as pessoas perderam a noção do bom. Durou 13 episódios, o que equivaleu como a sua única, curta e interrompida temporada. Parece que era para ser 18 episódios, porém não levaram para a frente devido a baixa audiência. Aqui no Brasil ficou sujeito às peripécias que o SBT faz com a sua programação – nunca avisa o que vai passar, quando vai passar, e nem se vai mudar de horário.

Não deu certo mas rendeu alguns fãs. Download

Death foi uma banda americana da década de 70 com muita marra. Depois de batalharem para terem seu disco gravado e finalmente conseguirem um contrato com uma gravadora, aconteceu o seguinte. Terminavam de gravar a sétima música quando foram informados que teriam que mudar o nome da banda, pois Death não pegava bem para a publicidade... principalmente com o nome do disco que era “...for the whole world to see”, que em tradução próxima, fica tipo Morte... para o mundo todo ver.

Diante dessa heresia, queriam que mudassem o nome da banda. Só que como rockeiros da velha guarda que eram, bateram o pé e acabaram tendo o contrato cancelado. Resultado? O tal disco teve somente aquelas sete músicas antes do enguiço, e acabou que só foi editado anos e anos depois.

Com uma história de birra dessas, a gente fica até curioso para saber qual era do som dos caras. E era som dos bons. Guitarras distorcidas e vocaizinhos com eco – aquele quê de psicodelia. Bom mesmo. Uma banda que acabou sem nem começar direito, deixando só essas sete músicas – e musicas que grudam sem serem chatas. Download

Enfim, projetos cancelados e interrompidos que poderiam ter dado certo. Como Andy, o chargista fracassado de Mission Hill disse, é esse o preço pela independencia.

Culpa desse mundo capitalista perverso e ganancioso.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Literatura #2 - Poetas suecos

A chama da luz
apaga-se
numa muito mais alta
chama de escuridão


Gösta Friberg




Dificilmente compro livros aleatoriamente. Quer dizer, se vou num sebo, vou já predisposto a comprar um autor ou um título em especial. Sou conservador pacas para essas coisas e pouco arrisco.

Mas a exceção foi feita.

21 Poetas Suecos chamou a atenção. A Suécia é um daqueles países que são distantes o suficiente para que quando você encontre algo da Suécia você se surpreenda e faça perguntas bestas tipo nossa, tem poetas na Suécia? É um tanto óbvio que exista, mas até encontrar prova impressa a gente sempre fica em dúvida.

Enfim, comprei o livro. É o resultado de um encontro literário entre portugueses e suecos, lá em Estocolmo, nos idos de 1980. De editora portuguesa e tudo. Em suma, um treco meio louco. Louco, inclusive, porque isso estava jogado em um sebo no centro de Curitiba.

Seja como for, os poetas suecos mandam bem. Certamente algumas metaforas e outros recursos subjetivos perdem o sentido – eles tem uma tara com águias, raposas e alces que não dá para entender -, o que é normal. Tão certo quanto isso é também a perda de outros recursos poéticos na tradução sueco-portugues, mas ainda fica interessante.

É curioso ver como as questões sociais aparecem em poesias de países ricos, reclamando não da miséria mas sim da alienação cultural proveniente da bonança. Ah, e tem uns poemas depressivos pra burro, de dar inveja aos nossos poetas que morriam tuberculosos e boemios antes dos 25 anos. E que também reforça mesmo a impressão de que certos sentimenos são mais universais do que pensamos, cabendo ao poeta dar-lhes forma e vazão.

Bem, assim sendo, foi uma boa aquisição.

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Rua de Estocolmo


Uma simples menina
uma outra cidade
e um outro quarto
numa outra casa
onde nunca se viveu
e outras esquinas
onde nunca se ficou
e nunca se esteve à espera
de alguém –


Uma simples menina
com uma outra linguagem
e uma outra perspectiva
de sua única vida –


Um outro trabalho
e um outro nome
e outras ruas para ir
outras ruas para ir
outras para perseguir
o que a gente nunca pode
conseguir –

Gunnar Ekelöf

domingo, 14 de março de 2010

Domingo

Adoro o domingo. Tem todo aquele ar desagradável pra burro que antecede a segunda-feira, mas ainda assim eu adoro. Nele é que posso acordar cedinho e ir tomar café em alguma panificadora aqui por perto, e quem acha que é um programa comum ou banal, é porque nunca tentou fazer isso em uma cidade do interior. Sério, lá é difícil pacas, e pra fazer um programa domingal desses tem que ter uma baita disposição.

Primeiro que no interior as panificadoras não são projetadas para que as pessoas por lá sentem e tomem algo. Mesa é um troço raro e banquinhos frente à um balcão não chega a ser algo comum. E depois de sentado não tem como relaxar e você acaba se sentindo deslocado, pois aqueles bancos não são para sentar.

E segundo que todo mundo te olha com uma cara cretina.

Ficam bobos por inteiro só por que alguém com menos de 25 anos faz um programa desses. Eles não dizem nada, mas você percebe que lá dentro tão dizendo que isso é muito estranho: você, com menos de 25 anos, devia estar de ressaca no domingo, devia estar dormindo até tarde. Você deveria ter enchido a cara no sábado, estourado os ouvidos com alguma porcaria de som, ter dado pouca pelota para o domingo. Eles não dizem isso na sua cara, mas tá escrito na cara deles. De sacanagem dá para experimentar comprar um jornal e começar a ler ali mesmo e pronto! Aí a cretinisse na cara do pessoal aumenta. Eles não acreditam que você acorda cedo num domingo para tomar café em uma padaria lendo o jornal. Eu fico fulo com isso. Vai ver se um dia eu voltar a morar numa cidade do interior também vou ser cretino assim, sei lá.

Por isso adoro os domingos em Curitiba, as pessoas tendem a te esnobar e fica tudo por isso mesmo. Alias, dessa vez, quando eu já ia embora da tal panificadora, entram o que devia ser pai e filha. Ele velho-passado-dos-40, ela com no máximo 5 anos. Clientes e funcionários ficaram babando em cima da menininha, do nada. Espontâneos mesmo. E ela só era engraçadinha. Mas isso é um treco que visto assim, num domingo de manhã com o gosto amargo de café morrendo na boca, faz a gente esquecer que amanhã é segunda, e aí fica tudo bem. Tudo fica bem.

segunda-feira, 8 de março de 2010

A avenida

Os carros passavam rápido e zuniam. Não parariam.

A garota, com os olhos abertos para o nada, ora percebia o horizonte tomado por prédios, ora notava o céu alaranjado da metrópole, ora tentava encontrar seu próprio reflexo nos carros que passavam zunindo. Velozes, ocupados. A garota não conseguia encontrar seu reflexo, só uma imagem distorcida, flash fugaz de um borrão de cores jogado no vidro quase opaco dos carros que passavam. Sempre zunindo. Dentro deles as pessoas, vultos por detrás do volante, sempre indo e vindo, chegando e partindo.

A garota então achou graça num pássaro branco que cruzou os ares, nítido contraste com o laranja artificial do céu. Perdida?, perguntou para a ave que, orgulhosa das asas que tinha, nem deu pela pergunta. 

Os prédios que fechavam a vista próxima e distante eram grandes pedras fincadas no chão, cinzas repetitivos, encrustrados de janelas como buracos negros, apagados, sinais de que nada habita aquele concreto. Não de noite. Grandes lápides?, arriscou ela num tom poético fracassado.

Os carros continuavam passando, vencendo a grande e interminável avenida. A garota não vencia a avenida, permanecia na calçada. Ninguém mais estava ali ou transitava a pé, só ela olhando o pássaro, as janelas e os carros. Havia muito tempo que as coisas estavam desse jeito. Talvez foi aí que ela se cansou.

Olhou de novo para o céu que já não tinha mais ave; olhou para os prédios que continuavam apagados nas janelas; olhou a rua que insistia em ser barulhenta, cheia de carros zunindo em velocidade, sempre passando. Tudo passando.

Sorriu para a liberdade e deu o passo que faltava para alcançar a rua.

domingo, 7 de março de 2010

Notícias #2 - Um baita filme de herói

A sinopse dava a impressão de ser um filme muito foda. Sabe como é? Daquele tipo que narra o surgimento de uma lenda, de um herói. Prometia cativar a gente, provocar aquela identificação que tudo perdoa, inclusive as faltas que o herói comete. Perdoa mesmo se não for um herói como Homem Aranha ou o Superman; pode ser um herói mau, violento, humano, mesmo assim tá valendo e a gente gosta. Hollywood gosta.

Mas nem era herói, e sim heróina. Com 23 anos, bonita – atributos estéticos também são necessários em uma figura heróica -, uma década de história pelo submundo do crime. Pois é, ela também é criminosa. Faz mais o tipo justiceira, que mata bandido com raiva e frieza. Olhos de vingança, saca? Mas nem sempre quem foge de polícia tem de ser o errado, e filmes desse tipo não faltam nas prateleiras... e talvez nunca sobrem.

Detalhe que faz toda a diferença: ela só começou com esse treco por que o irmão dela foi morto por membros de uma gangue! E morto por engano, vítima do azar. Nasceu assim a heroína. Quer justificativa maior para que alguém vire um justiceiro e parta em busca de vingança? Motivo melhor para mandar pros ares uma vida comum e tornar-se uma matadora de aluguel? Ela parecia querer apenas fazer justiça com as próprias mãos. Personagens assim é que fazem sucesso hoje em dia. E, apesar de ser meio clichê nos roteiros, ela sempre se valeria da sua beleza para seduzir suas vítimas - os homens que mataram seu irmão - e depois, ainda na cama, os mataria friamente. No percurso de sua vingança alguns inocentes morreriam. E daí? Nem coadjuvantes são, nos créditos a gente nem lembra de procurar o nome por detrás da vítima.

Vá lá que talvez não pegasse muito bem uma heroína assim: bandida, matadora, que transa antes de matar, que respira vingança por uma década toda. Mas no filme ia mostrar o lado correto dela que, se alguém ainda não a vê como heróina, depois de exibido será o carimbo que a certifica como uma heroína digna. Ela passou por oito gangues, mas ela queria ter uma gangue própria para matar toda a escória de policiais corruptos, assassinos de crianças, estupradores. Ou seja, no fundo, é justiceira mesmo, não só pelo seu irmão.

Mas tem gente que gosta de personagem demasiadamente humano, com dramas pessoais o tempo todo, assim o filme tem aqueles flashes onde o herói – heróina no caso - vê imagens da sua família, seus filhos, seus sonhos agora impossíveis, e então puxa o gatilho, mais pesado do que nunca, quase arrependido. Essa também tem isso! Ela será mãe solteira, inexperiente nos cuidados maternos, dois gurizinhos para criar. E deseja ser médica. O roteiro diz que por isso ela vai tentar largar a vida do crime, deixar a polícia cuidar daqueles que mataram seu irmão, agora poucos ainda vivos.

Então ela faz uma denúncia, aponta os homens que cometeram o assassinato daquele garoto de 12 anos, um tempão atrás. A polícia, obviamente, é corrupta. Todo herói tem que se debater com policiais corruptos. Tão obvio quanto isso, também é o fato de que os denunciados, sabendo da acusação feita pela heróina, vão atrás dela e colocam ainda os policiais corruptos para ajudar na sua perseguição. Tem roteiro melhor e mais empolgante?

Dá até para pensar numa continuação, pois seria um filme grande demais para trazer isso tudo. Mas a sinopse da a entender que é díficil sair uma continuação. Limites da própria história. Obrigada a fugir de todos, sem outras alternativas a heroína continua no mundo do crime e ainda mata por dinheiro; o jeito é esquecer dos filhos, esquecer que queria ser médica. Tem até a prévia da frase que pode ser o bordão dessa heróina: Não posso mais sonhar. A história deve acabar com ela sendo só mais uma estatistica dos mortos na guerra de gangues, adverte a sinopse. Também seria um final interessante, melhor do que felizes para sempre.

Ia ser um puta filme. Corro os olhos para o alto da página do jornal, buscando o título para procurar na locadora. Aí então eu entendo que não era sinopse, que eu não estava no caderno Cultura, que aquilo não era uma heróina. Ela é fato, é colombiana, pede para ser chamada de Cabotera. Bem que eu estranhei que essa heróina não tinha nenhum super poder e estava real demais, demais mesmo para acreditar nisso tudo.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Literatura #1 - Literatura brasileira? Eca!

Em termos de literatura, sempre tive uma aversão ao que era feito por aqui em terras tupiniquins. Era aquele preconceito bobo contra a produção nacional, talvez originado nas entediantes aulas de literatura ministradas por professores nem um pouco interessados em deixar aquilo tudo mais interessante para uma porção de adolescentes inquietos.

Mas um dia encontrei a luz, o messias da salvação: Machado de Assis. Aleluia, irmão!, alguém grita ao fundo.



No ensino médio quando tentei ler Dom Casmurro achei um porre. Chato mesmo. Também achei meio truncado com aquele português que ninguém mais usa. Mas, por ironia do destino, a minissérie da Globo feita em cima dessa mesma obra machadiana, com toda aquela produção estética e uma trilha sonora maneira, despertou o que nenhum professor de literatura até então tinha conseguido despertar. Me atirei aos livros do Machadão – com o perdão da intimidade – e tive agradáveis leituras.

O que antes parecia chato, truncado, um porre, virou uma leitura que exigia um caderno para anotar aquelas frases ora de efeito, ora poéticas, e por que não filosóficas, que só Machado de Assis conseguiu fazer.

Animado com essa descoberta, fui para outros autores nacionais e vi que, pelo menos no meu caso, para aprecia-los só precisava mesmo de um pouco mais de boa vontade. Machado de Assis tem um charme que é só seu, isso é inegável, mas há muito o que ler em termos de literatura nacional, nova e ‘velha’, isento de qualquer arrependimento quanto a tempo perdido e visão gasta.

Ah, e fantastico ainda, apesar de não ser lá uma grande novidade, é que passados 70 anos da morte de um autor nacional, a obra vira domínio público. Ta em lei isso. Legal, não? Assim sendo, tudo do Machado – e tantos outros - ta na internet, pronto para ser lido e baixado, e sem peso na consciência.

Para quem quiser viajar nos contos machadianos, que pago um pau danado para eles, recomendo o blog Contos do Machado. Organizado e completo, são 218 textos à disposição.

Tudo para uma boa leitura.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Bobeirinhas #1 - Porra, Maurício!

Quem já leu Turma da Mônica sabe que tem lá umas boas piadas prontas... e tantas outras bem sacanas só esperando uma mente poluída.

Porra, Maurício! pega essa deixa e dá umas tiradas legais. Sobrou até pro Anjinho, pego no flagra.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Vivências #3 - Conveniências

É dado o intervalo. Metade da manhã já foi, e os alunos saem loucos por um café. A cantina é o destino da maioria; o pátio, um cigarro e papo furado o destino da outra metade. Menos um. Ele fica na sala a espera do professor que também se prepara para ir buscar um café. O aluno se aproxima meio sem jeito, já com um sorriso amarelado no rosto. Tá na cara que vai pedir o que não deveria, e sabe que não deveria.

Professor, diz ele, eu faltei à prova da aula passada, tem como fazer uma segunda chamada?. Tinha sido avisado que teria prova. Tinha sido avisado para não faltar de jeito algum. Tinha sido avisado que não haveria exceções. Mas ele faltou. O professor inclina o rosto como que para olhar o aluno por cima dos óculos que usava.

O professor observa primeiro a camisa de flanela amarela. Estava aberta sobre o peito. Em seguida fita a camiseta que vinha por baixo. Parecia orgulhosa com uma impressão do Stalin. Também com letras grandes e vermelhas gravando URSS. O professor já ia fazendo o estereótipo, mas ainda olhou para as calças. Largas em um verde militar desbotado. Tenis all star demarcavam o fim do aluno. Num suspiro o professor volta os olhos para o rosto do aluno. Percebe então a barba rala. Cabelos de três meses sem cortar ou pentear. Desajeitados com muito cálculo.

O professor suspira de novo, E qual seria o ótimo motivo para eu fazer uma segunda chamada?, pergunta. Aliás, e por que o senhor faltou?, emenda.

O aluno completa o sorriso amarelo. Aquele iniciado já quando se aproximou do professor. Ah, tive alguns problemas aí, sabe como é. O professor que já tinha levantado, volta a sentar. Não sei não, explica para mim. O aluno fica sem jeito, constrangido. Na verdade, pura cara de pau. Antes de falar qualquer coisa, o professor provoca, Logo você com essa camiseta... Acha que Stalin faria segunda chamada passando por cima de toda a rígida burocracia estatal soviética?. Professor espeta. Sorriso ironico para combater o amarelo. Pra sacanear mesmo.

O aluno aumenta o sorriso. Cara de pau das brabas. Por isso que eu prefiro toda vida a instituição burguesa de ensino, responde ele. O professor ri, É claro, quem não prefere?, completa.

Na semana seguinte houve a segunda chamada. O aluno ainda usava uma camiseta do Stalin.