segunda-feira, 1 de março de 2010

Vivências #3 - Conveniências

É dado o intervalo. Metade da manhã já foi, e os alunos saem loucos por um café. A cantina é o destino da maioria; o pátio, um cigarro e papo furado o destino da outra metade. Menos um. Ele fica na sala a espera do professor que também se prepara para ir buscar um café. O aluno se aproxima meio sem jeito, já com um sorriso amarelado no rosto. Tá na cara que vai pedir o que não deveria, e sabe que não deveria.

Professor, diz ele, eu faltei à prova da aula passada, tem como fazer uma segunda chamada?. Tinha sido avisado que teria prova. Tinha sido avisado para não faltar de jeito algum. Tinha sido avisado que não haveria exceções. Mas ele faltou. O professor inclina o rosto como que para olhar o aluno por cima dos óculos que usava.

O professor observa primeiro a camisa de flanela amarela. Estava aberta sobre o peito. Em seguida fita a camiseta que vinha por baixo. Parecia orgulhosa com uma impressão do Stalin. Também com letras grandes e vermelhas gravando URSS. O professor já ia fazendo o estereótipo, mas ainda olhou para as calças. Largas em um verde militar desbotado. Tenis all star demarcavam o fim do aluno. Num suspiro o professor volta os olhos para o rosto do aluno. Percebe então a barba rala. Cabelos de três meses sem cortar ou pentear. Desajeitados com muito cálculo.

O professor suspira de novo, E qual seria o ótimo motivo para eu fazer uma segunda chamada?, pergunta. Aliás, e por que o senhor faltou?, emenda.

O aluno completa o sorriso amarelo. Aquele iniciado já quando se aproximou do professor. Ah, tive alguns problemas aí, sabe como é. O professor que já tinha levantado, volta a sentar. Não sei não, explica para mim. O aluno fica sem jeito, constrangido. Na verdade, pura cara de pau. Antes de falar qualquer coisa, o professor provoca, Logo você com essa camiseta... Acha que Stalin faria segunda chamada passando por cima de toda a rígida burocracia estatal soviética?. Professor espeta. Sorriso ironico para combater o amarelo. Pra sacanear mesmo.

O aluno aumenta o sorriso. Cara de pau das brabas. Por isso que eu prefiro toda vida a instituição burguesa de ensino, responde ele. O professor ri, É claro, quem não prefere?, completa.

Na semana seguinte houve a segunda chamada. O aluno ainda usava uma camiseta do Stalin.

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